Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)
A abstração do setor financeiro relativamente ao setor produtivo, permite a especulação e, por isso, está na base das sucessivas crises financeiras.
Desde o final do século passado tem-se vindo a assistir a uma profunda transformação das relações financeiras à escala global, passando a falar-se de globalização financeira para traduzir a ideia da existência de um mercado financeiro à escala global; ou seja, tem havido um processo de interligação dos mercados de capitais a nível internacional, conduzindo ao aparecimento de um mercado unificado do “dinheiro” à escala planetária. São vários os indicadores que sustentam este facto: a intensificação dos fluxos financeiros, a abertura das economias à troca internacional, o aparecimento de novos e complexos produtos financeiros, bem como a realização de operações financeiras cada vez mais complexas.
Mas o que verdadeiramente caracteriza a globalização financeira, a efetiva grande novidade, é a quebra de ligação entre, por um lado, os fluxos financeiros e, por outro lado, a esfera produtiva. O crescimento do volume de crédito, a possibilidade de transformar dívidas em títulos comercializáveis no mercado de títulos, o desenvolvimento das sociedades por ações, a libertação dos mercados das peias programadoras, reguladoras e disciplinadoras do Estado marcaram o início de uma nova era. Esta nova era, caracterizada pela abstração do setor financeiro relativamente ao setor produtivo, permite a especulação e, por isso mesmo, está na base das sucessivas crises financeiras, de tal modo que a expansão do capital fictício tem dado lugar, entre outros aspectos, ao que se tem designado por “produtos financeiros tóxicos”.
As operações/transações financeiras tornaram-se as principais fontes de lucro, estando, portanto, o (grande) lucro desligado da atividade produtiva per si e que dura até ao rebentamento da bolha especulativa. O rebentamento (e a crise resultante) é então o mecanismo ciclíco que permite algum reajustamento entre os fluxos financeiros e a atividade produtiva.
Refira-se que este processo de desligamento ou não correlação entre atividade financeira e atividade produtiva criou condições para o denominado planeamento fiscal agressivo, a competitividade fiscal e, em última análise, para o não pagamento de impostos por parte dos agentes económicos mais poderosos. Como consequência, hoje o capitalismo assenta na hegemonia dos bancos, da bolsa, das multinacionais, da livre circulação do capital, enfim na deturpação do conceito financeiro, desligado do processo produtivo e que transforma a apropriação de rendimentos, sem os produzir, numa das formas dominantes de enriquecimento de uma pequena minoria, que, pelo facto de não cumprir as suas obrigações fiscais, fundamentalmente no que respeita ao pagamento de impostos, enfraquece os Estados, impedindo os governos de promoverem a eficiência económica, a equidade, bem como a estabilidade macroeconómica e o crescimento económico.