Tiago Marcos, Jornal i
Como é possível ocorrerem irregularidades em entidades públicas ou privadas (muitas vezes reguladas) que se traduzem em custos para o contribuinte, sem que sejam imediatamente apuradas as devidas responsabilidades?
No entanto, em território nacional, parece-me que este debate costuma estar limitado a uma ideia muito redutora e pouco informativa, i.e., foca-se quase exclusivamente em redor da necessidade de o Estado intervir na economia, no papel de acionista de empresas dos diversos setores económicos, sendo focadas ideias como a nacionalização, a reversão da nacionalização e a privatização de empresas.
No âmbito deste debate são frequentemente referidos os mesmos argumentos: os que defendem uma maior intervenção Estatal argumentam que esta é a melhor forma de garantir que o fornecimento de bens e serviços a favor dos cidadãos e não dos interesses privados, em especial no que respeita às atividades económicas consideradas de serviço público, enquanto que os que defendem uma menor intervenção Estatal, argumentam que os privados têm uma melhor capacidade de gestão, o que, por sua vez, melhora e torna mais eficaz o fornecimento de bens e serviços, sem necessidade de uma intervenção Estatal direta.
Logo, apesar de o debate ser centrado num tema fundamental, a defesa dos contribuintes, enquanto consumidores de bens e serviços, parece-me que não tem sido realizado de forma construtiva ou esclarecedora, já que não refere o principal papel de qualquer Estado numa economia, que é o de regular a atividade económica das famílias e das empresas. Na verdade, e independentemente de estarmos a falar de empresas privadas ou públicas, com gestão pública ou privada, todos ouvimos falar em casos de negligência, gestão danosa, fraude ou corrupção, pelo que o caminho a seguir não deve exclusivamente focar-se na gestão e propriedade das empresas, uma vez que este fator, por si só, não protege os contribuintes.
Assim, independentemente da nossa ideologia política, devemos concordar que o principal papel do Estado deve ser o de regular a atividade económica, de modo a prevenir, detetar e responder a quaisquer irregularidades, como sejam os referidos casos de negligência, gestão danosa, fraude ou corrupção, salvaguardando contribuintes, produtores e consumidores de bens e serviços e garantindo a satisfação das necessidades fundamentais dos cidadãos.
De igual forma, e contrariamente ao papel de acionista empresarial do Estado, o papel do Estado enquanto regulador afeta todas as empresas de um determinado setor económico, sejam estas de capitais privados ou de capitais públicos e tenham gestão pública ou privada. Com isto, não estou de todo a afirmar que deve ser eliminado o papel de acionista empresarial do Estado, mas sim, que este papel apenas deve, quando necessário, complementar o papel regulador do Estado, por forma a que melhor se garanta o cumprimento das respetivas funções. Este papel deve ser utilizado de diversas formas:
- Por um lado, numa lógica de prevenção, deve (pelo menos) ser emitida legislação / regulamentação que proíba e puna quaisquer comportamentos considerados desviantes, bem como, quando aplicável, ser nomeado um órgão regulador com o objetivo de acompanhar o cumprimento destas normas;
- Por outro lado, numa lógica de deteção, os órgãos reguladores que forem nomeados devem ativamente monitorizar a atividade das empresas a operar num determinado setor de atividade, de modo a que quaisquer comportamentos considerados desviantes possam ser devidamente identificados de forma atempada; e,
- Por fim, numa lógica de resposta aos comportamentos desviantes detetados, devem existir entidades públicas, devidamente equipadas em capacidade e recursos, que consigam apurar os factos inerentes aos referidos comportamentos desviantes, bem como penalizar quaisquer situações que fiquem comprovadas. De igual forma, quando se deteta que um órgão regulador falhou na monitorização que deve realizar, devem ser apuradas as devidas responsabilidades e prevenir futuros falhanços.
Assim, considero que estes princípios deveriam constituir o principal mecanismo de intervenção Estatal na atividade de uma economia, razão porque tenho dificuldade em perceber como é possível ocorrerem irregularidades em entidades públicas ou privadas (muitas vezes reguladas) que se traduzem em custos para o contribuinte, sem que sejam imediatamente apuradas as devidas responsabilidades pelos ilícitos cometidos e pelas falhas ocorridas ao nível dos órgãos reguladores.
Para reforçar esta ideia, deixo uma nota sobre o índice de perceção da corrupção de 2018, recentemente publicado, que nos indica que Portugal continua a precisar de muito trabalho nesta área, estando abaixo da média europeia no combate à corrupção no setor público.
Por estes motivos, parece-me que a forma de debater a intervenção Estatal na economia do país deve ser revisitada, de modo a que todos os cidadãos sejam eticamente informados sobre onde, quando e como o Estado falha enquanto regulador e enquanto garante da salvaguarda dos interesses dos contribuintes, cidadãos e empresas a atuar no país, bem como sobre as medidas tomadas para que estes falhanços não se venham a repetir.