Carlos Pimenta, Visão online

É válida a invocação pelo Ministro das Finanças do «interesse público» para recusar a transparência informativa sobre a Zona Franca da Madeira? Consideramos que não.

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1. A Zona Franca da Madeira (ZFM), caracterizada pelas facilidades fiscais e administrativas, visa oficialmente promover o desenvolvimento económico e social da Região Autónoma, mas é administrada por uma empresa em que o governo desta região decidiu ficar em minoria no capital social e, eventualmente, receber anualmente menos do que tinha legalmente direito.

Se Portugal é um Estado de Direito tal situação seria suficiente para se considerar que esta situação deveria ser acompanhada pelo Governo e por todos os cidadãos, exigindo estes uma transparência informativa da realidade aí vivida, para exercer o respectivo controlo. Sendo Portugal membro de pleno direito da União Europeia e tendo sido levantada pela Comissão Europeia (a investigação ainda em curso) a dúvida sobre o seu funcionamento e impacto regional, mais razões haveria para uma activa informação da parte do Governo.

Especifiquemos adicionalmente algumas razões para o que acontece na ZFN merecer a atenção de todos nós:

  • A tradição da ZFM é ser a forma legal de um offshore (o 64º em sigilo e importância segundo a Tax Justice Network), isto é, um espaço de fuga aos impostos, de desburocratização e desregulação, de esparsas «fiscalizações», manipulação das estatísticas e sigilo.
  • As empresas oficialmente localizadas na ZFM obtiveram em cinco anos (período para que existem alguns dados) 783 milhões de euros de reduções no IRC, constituindo 17% dos benefícios fiscais nacionais desse imposto (apesar da Madeira ter apenas 2,6% da população residente do país e 0,9% da superfície). Esta importância relativa entra em conflito com o desenvolvimento de outras regiões desfavorecidas do país.
  • Muitas dessas isenções são a empresas com sede em Portugal Continental que se instalam na ZFM para «gerir o grupo». A parte restante é de empresas estrangeiras que, simultaneamente, defraudaram fiscalmente o seu país de origem, essencialmente por manipulação dos preços de transferência ou falsas facturações.
  • As informações prestadas pelas empresas entram frequentemente em choque com os dados do Instituto Nacional de Estatística (instituição oficial do país), nomeadamente quanto ao emprego que garantem.

2. É, pois, com estranheza que lemos a 27 de Dezembro, no Público (Pedro Crisóstomo) que “o Ministério das Finanças recusa revelar estatísticas e relatórios sobre a ZFM enquanto estiver de pé a espinhosa investigação da Comissão Europeia às isenções atribuídas às empresas do centro de negócios”. Recusa invocando o «interesse público».

Recusa efectivamente contra o «interesse público» que se revela como “rabo de gato escondido”.

3. Não basta constatarmos este atropelo ao conhecimento dos factos com falsas justificações. É necessário interrogarmo-nos, com os elementos disponíveis, e agirmos em conformidade. Coloquemos pois, algumas interrogações:

  • Será que a informação de o jornal Público é falsa?

Numa época de tanta mentira esta é a primeira questão que se impunha colocar, embora a honestidade do jornalista (preocupado há muito com a realidade da ZFM) e do órgão de informação talvez justificasse não a colocar.

  • Será que o Centeno político aparenta ser diferente do Centeno cidadão e tal se tenha revelado com esta decisão?

É certo que quando da discussão na Assembleia da República do Programa do Governo foi recordado texto do académico Centeno contrário ao que então defendia, o que não é positivo, mas admitimos que todos temos o direito de mudar de posição e que corrigir os erros passados é de louvar.

  • Será que o economista Centeno ainda não percebeu que a concorrência fiscal entre países, e os offshores a que tal dá lugar, é a via legal de lavagem de dinheiro, logo espaço permissivo da criminalidade organizada, da fraude e corrupção e, concomitantemente, de uma degenerescência ética da humanidade?

Essa «concorrência» pode trazer ou alguma vantagem relativa temporária ou um atraso económico, conforme as circunstâncias, mas no longo prazo representa o enfraquecimento financeiro e político dos Estados, como investigamos no nosso livro publicado, no ano passado, Os offshores do nosso quotidiano.

  • Será que os cargos exercidos na UE criou um conflito entre a defesa dos interesses do povo português e os cargos internacionais que ambiciona exercer no futuro?

Talvez, mas será preciso esperar para responder cabalmente. Esperamos que o leitor encontre outras perguntas e hipóteses de resposta.