Rute Serra, Visão online
A liderança de topo deve apresentar instrumentos internos preventivos,eficazes à ocorrência de fraude, materializados em documentos que definam o comportamento ético, aceitável e não aceitável e as consequências em caso de prevaricação.
Sabemos que da ebulição de motivação, oportunidade e racionalização, pode surgir a possibilidade d epessoas idóneas cometerem fraude. Senão vejamos: uma motivação (pessoal o ucorporativa), que encontra uma oportunidade (inexistência ou ineficiência do controlo), conduz à racionalização interna (essa voz interior de moralidade,que se prefere calar), favorecendo o cometimento do ato fraudulento. Assim nos ensinou Cressey, quando em 1971, nos apresentou, pela primeira vez, o denominado “triângulo da fraude”, entretanto atualizado pelo diapasão das mais hodiernas teorias.
Será, porém, possível, perante a evidência de verificação daquela tríade heurística, ilidir a responsabilidade das organizações, na ocorrência de atos fraudulentos? Não cremos. Pelo menos no que concerne ao controlo preventivo da motivação e da oportunidade dos perpetradores.
A liderança de topo deve apresentar instrumentos internos preventivos, eficazes à ocorrência de fraude,materializados em documentos que definam o comportamento ético, aceitável e não aceitável e as consequências em caso de prevaricação. Um sistema de controlo interno robusto, que inclua definições ao nível da segregação de funções e índices otimizados de rotatividade, com adequada monitorização das tarefas, é outrossim de fundamental importância. Mapear as áreas de risco, definindo as respetivas políticas de reporte e estabelecer uma gestão eficaz de conflitos de interesses, são também armas poderosas de defesa das organizações.
Uma cultura organizacional que desconecte as pessoas daquelas ferramentas de controlo, ou que não incida na gestão de topo, responsabilizando-a em primeira linha pelo cumprimento dos princípios e valores apregoados, na ação gestionária de rotina, ou que não promova a transparência, abertura e comunicação, está condenada ao fracasso,isto é, à quebra de confiança por parte dos seus colaboradores.
Ao invés, se se optar por uma liderança que os prepare para o crescimento, através de adequada formação,desenvolvimento de capacidades e ganho de confiança; se se fomentar canais de comunicação eficazes, que permitam mitigar os medos e incertezas da força de trabalho, incrementar-se-á a probabilidade de sucesso, nesta contenda tantas vezes considerada definitivamente perdida.
Quanto ao fator racionalização, a questão merece análise mais fina. Isto porque o agente do ato ilícito constrói mentalmente uma flexibilização moral ampliada, que justifica a ação cometida e afasta o convencimento de se ser uma pessoa necessariamente desonesta. Deste modo, através de uma deformação percetiva, os limites éticos estendem-se(fenómeno conhecido como cegueira ética), permitindo ao sujeito atuar de modo ilícito mesmo em contextos que, noutra circunstância, condenaria. É o mesmo que dizer, faz o que eu digo, não faças o que eu faço (ou faz, se fores capaz).
Os fatores externos exercem também forte pressão, no processo de racionalização. Acreditar que, da ação desviante, não surgirão consequências insuportáveis, ou a falta de identificação com a vítima, são, entre outros, elementos funcionais influenciadores da decisão prevaricadora.
Isto é o que faz, por vezes, pessoas boas cometerem más ações.
Já o defraudador-predador que,articulada e premeditadamente, cria ou explora uma oportunidade de fraude,através de uma mistura explosiva entre a sua inteligência, ego, ganância,posição e capacidade de lidar com o stress, situa-se na categoria apodrida, da condição humana.
São estes últimos, os verdadeiros desafios das organizações. E da sociedade. E da Nação.