Jorge Fonseca Almeida, Jornal i
Exigir-se-ia aos deputados um comportamento exemplar que galvanizasse a sociedade para este combate pelo nosso futuro comum. No entanto que exemplo nos dão alguns deputados?
Portugal é, nas comparações internacionais de corrupção levadas a cabo por instituições credíveis como a Transparência Internacional, um dos países mais corruptos da Europa, nomeadamente no que toca a corrupção política dos poderes centrais.
Sabemos também que a luta contra a corrupção é crucial para a criação de condições de desenvolvimento do nosso país, estando como está a corrupção altamente correlacionada com subdesenvolvimento e atraso económico. Os países com maior nível de corrupção tendem a ser mais atrasados do que os países de menores índices de corrupção que são simultaneamente os mais bem-sucedidos na arena económica e social.
Assim exigir-se-ia aos deputados um comportamento exemplar que galvanizasse a sociedade para este combate pelo nosso futuro comum. No entanto que exemplo nos dão alguns deputados?
Uns assinam a presença por outros, confessando alegremente que trocam palavras passe eletrónicas (passwords) estritamente pessoais e intransmissíveis, situação que em muitas empresas pode ser invocada como motivo de despedimento, quebrando a segurança e marcando a presença de outros. Justificam depois a sua falta relatando que no seu grupo parlamentar, o do PSD, a situação é comum e todos o fazem.
Outros abusam dos subsídios de viagens, dando moradas falsas ou de outras formas, como foram acusados deputados do PS e do Bloco de Esquerda.
Ainda outros, indo mais longe, votam pelos colegas ausentes e de novo justificando a sua atuação com o hábito arreigado no seu grupo parlamentar, novamente o do PSD.
O exemplo que colhemos dos representantes do Poder Legislativo, aqueles que fazem as Leis do nosso país, é o de que as regras não são para seguir, que qualquer mínima regra do bom senso, não partilhar palavras passe, não votar pelo vizinho, tudo pode ser desrespeitado sem consequências. E que esse respeito é, em certos grupos, pelo menos muito extenso ao ponto dos que são apanhados se desculparem com os outros sem suscitarem indignação dos colegas que pelo silêncio consentem nas acusações.
Que lições podem os portugueses retirar desta atuação impune de membros do Poder Legislativo?
Primeiro que as Leis não parecem ser para levar a sério e que quem o poder fazer deve desrespeitá-las na primeira oportunidade se tal for em seu benefício.
Segundo que as Leis não são iguais para todos, i.e. que nem todos são iguais perante a Lei, premissa base de um Estado de Direito, pois uns podem desrespeitar o que outros são obrigados a cumprir.
Felizmente que alguns grupos parlamentares, o do PCP, o do PP, o do PEV se demarcaram destas atuações, demonstrando que há diferenças de atitudes no Parlamento e que nem todos pactuam com atuações irresponsáveis.
No entanto este exemplo que vem de cima passa para a sociedade de uma forma nociva e corrosiva. Fica a sensação que as Leis não são para cumprir, que a sua violação não acarreta riscos nem punições, que tudo vale. Fica a sensação do primado do interesse individual ou o do Partido sobre o do país e o da sociedade. Fica a sensação de uma incapacidade, ou uma falta de vontade de atuar punitivamente sobre os prevaricadores.
Assim se vão dissolvendo os valores da honestidade, da dedicação à causa pública, do patriotismo, da abnegação, e até da mais elementar e socialmente importante ética do trabalho (assinar o ponto pelo vizinho, receber e não participar no trabalho).
Com o declínio destes valores abre-se, naturalmente, caminho à corrupção, à fraude e a todo o tipo de ilegalidades.
É tempo de os de cima darem o exemplo. De serem mais exigentes com os seus pares. De adotarem uma cultura de trabalho e responsabilização. Essa é a única maneira de começar a mudar a sociedade e de a mobilizar no combate à corrupção.
A continuar nesta senda não podem depois admirar-se que a população possa vir a vestir os seus coletes amarelos.