Ana Clara Borrego, Visão online
A aposta num aumento de impostos que recairá, enquanto carga fiscal, essencialmente sobre as famílias, através do IVA, da tributação automóvel (aquisição e circulação), da tributação dos produtos petrolíferos, do imposto do selo sobre créditos ao consumo, entre outros e cujo impacto será mais sentido pelas famílias com menores recursos.
Os leitores que acompanham as minhas crónicas sabem que o tema da excessiva carga fiscal sobre os contribuintes é uma matéria recorrente nestas reflexões que convosco partilho. Apesar de procurar resistir a escrever repetidamente sobre esta temática, a divulgação recente da proposta do Orçamento do Estado (OE) para 2019 e a subsequente análise que lhe realizei, acabaram por, inevitavelmente, me conduzir, mais uma vez, a este assunto.
Nos últimos dias, desde a divulgação da proposta do Orçamento do Estado, têm-se multiplicado as análises minuciosas ao conteúdo da mesma, mormente numa perspetiva quantitativa; pelo contrário, o que pretendo fazer é uma análise muito mais genérica e qualitativa, com base na qual pretendo questionar a estratégia de política fiscal traçada.
A primeira situação a realçar são os pressupostos irrealistas, no que ao crescimento económico respeitam, de 2,2% do PIB, com base nos quais esta proposta foi construída. Não vou debruçar-me sobre esta questão em pormenor, a qual, em si própria, propiciaria a escrita de uma crónica a ela exclusivamente dedicada. Vou só referir que, na minha opinião, tais níveis de crescimento são utópicos e impossíveis de alcançar no atual contexto económico, quer no âmbito nacional, quer no escopo internacional: diria que os nossos governantes estão a confundir o crescimento desejável com o atingível.
Aquela constatação, por si só, é suficiente para desacreditar todo o conteúdo da proposta do OE e, à primeira vista, retiraria a pertinência de quaisquer análises que pudessem ser realizadas às políticas fiscais naquela proposta vertidas, por terem como base um pressuposto inalcançável de crescimento económico. Todavia, a grande questão que se coloca é que a improbabilidade de atingir o crescimento económico assumido pelo governo, o qual sustenta a capacidade de aumento na cobrança de impostos, agudiza, ainda mais, a necessidade de compreender como é possível cobrar 45.636,20 milhões de euros - mais 1.308 milhões de euros do que o preconizado para 2018 (aumento de cerca de 3%) – num país onde a carga fiscal já havia atingido, nos orçamentos de Estado dos anos anteriores, níveis, na minha opinião, insustentáveis.
Acresce que, analisando o quadro das receitas fiscais da proposta do OE, verifica-se que os impostos indiretos [IVA, impostos sobre produtos petrolíferos, ISV (tributação de aquisição de viaturas), entre outros] são responsáveis por cerca de 80% do aumento da carga fiscal proposta, sendo o IVA o imposto onde o incremento de valores cobrados tem maior expressão (note-se que ocorre em sede deste imposto mais de metade do aumento absoluto preconizado para 2019, o qual incrementa a cobrança estimada em mais 723,6 milhões de euros, em sede de IVA, em 2019, comparativamente com 2018).
Os impostos indiretos têm algumas particularidades que importa referir, das quais abaixo destaco as mais relevantes neste contexto, para que os leitores melhor compreendam a minha posição de desacordo em relação à estratégia de política fiscal na qual assenta a proposta do OE em análise:
1 - Os impostos indiretos são suportados principalmente pelos consumidores finais (isto é, pelas famílias) – principalmente o IVA, que é o imposto geral sobre o consumo – concludentemente, da análise à proposta de OE para 2019, podemos concluir que são maioritariamente as famílias que vão suportar o aumento de 1.308 milhões de euros em impostos preconizado pelo governo para 2019. Aumento que assenta, em grande parte no crescimento do consumo das famílias (IVA), acompanhado por um incremento da tributação sobre os respetivos créditos ao consumo (imposto do selo).
2 - Acresce que, os impostos indiretos são aqueles que melhor propiciam a aplicação de mecanismos de ilusão fiscal, isto é, são aqueles em que é mais fácil aumentar os impostos, sem que os cidadãos-contribuintes visados o sintam como tal. Como é possível que tal ocorra? Estarão certamente muitos leitores, neste momento, a questionar-se.
É simples de compreender -- tomemos como exemplo os impostos sobre produtos petrolíferos: são impostos indiretos porque a sua cobrança não é realizada diretamente pelo Estado aos contribuintes e porque estes impostos se “escondem” dentro do preço dos combustíveis, assim, sempre que há um aumento do imposto, o mesmo, no contexto do consumidor, é confundido com um agravamento do preço dos combustíveis.
Acresce que aqueles impostos são suportados pelos consumidores, paulatinamente, isto é, não de uma só vez, mas sim abastecimento a abastecimento, “escondidos” no preço do combustível, numa espécie de “anestesia fiscal”, que permite tributar o contribuinte devagar, mas recorrentemente, sem que este conheça o valor do imposto total que pagou no final de um ano.
3 - Por último, mas não menos importante, os impostos indiretos são impostos “cegos” que não atendem à capacidade contributiva dos cidadãos. São, deste modo, impostos que, ao tributarem de igual forma os que têm mais recursos e os que têm menos, economicamente o seu aumento implica uma carga fiscal proporcionalmente maior nas famílias de mais parcos recursos, por terem um maior impacto nos orçamentos das mesmas.
Olhando objetivamente para as políticas fiscais vertidas nesta proposta do OE, tratando-se de uma proposta para um ano de eleições, havendo necessidade de aumentar impostos, consigo compreender que essa aposta tenha recaído em impostos sobre o consumo em detrimento do aumento de outros impostos, pela maior ilusão fiscal que está associada aos primeiros.
Todavia, não consigo associar àquele que supostamente deveria ser o paradigma governativo de esquerda a aposta num aumento de impostos que recairá, enquanto carga fiscal, essencialmente sobre as famílias, através do IVA, da tributação automóvel (aquisição e circulação), da tributação dos produtos petrolíferos, do imposto do selo sobre créditos ao consumo, entre outros e cujo impacto será mais sentido pelas famílias com menores recursos.
Termino, deixando uma pequena nota de reflexão, acerca de uma incongruência que me leva a acreditar que nem o governo acredita nas suas próprias projeções de crescimento económico para 2019: o crescimento económico ambicioso previsto pelo governo para 2019, pese embora tenha reflexo no aumento acentuado das receitas arrecadadas em sede de IVA, não se faz acompanhar por um aumento efetivamente visível de tributação sobre o rendimento das empresas, o que em termos práticos implica que, para 2019, o Estado espera que as empresas vendam muito mais, sem que isso se traduza num aumento dos seus lucros.