Raquel Brito, Jornal i

Será compreensível e até admissível que uma condenação possa ser “inconsequente”, em termos práticos?

Há notícias que nos despertam mais a atenção do que outras. Se atentarmos bem ao conteúdo das que se referem ao fenómeno da corrupção podemos perceber como vai o “estado da arte” do nosso país nessa matéria. Algumas delas (ver notícia infra) escondem interpretações curiosas, outras, simplesmente, traduzem a realidade do fenómeno, tal como a notícia que revela os resultados de um estudo no qual Portugal é apontado, em 2016, como o 29º país mais corrupto de um total de 176, segundo a Transparency International.

Em termos gerais o país atinge níveis de corrupção, no mínimo, desconfortantes. Todavia, o mais inquietante é nenhuma (ou quase nenhuma) medida ser tomada no sentido de a prevenir, de mitigar os seus efeitos e punir os seus militantes.

No senso comum paira a ideia que os casos são denunciados, tornados públicos, que há investigação, que há conhecimento dos factos, porém nem sempre há vontade de colocar a justiça a funcionar: julgando e condenando. Principalmente no que se refere ao setor público.

O fenómeno da corrupção em Portugal é debatido e comentado como nunca. No campo desportivo, ganha ainda mais destaque, essencialmente associado aos casos do futebol que têm sido trazidos a público.

Não obstante esta crescente perceção da corrupção desportiva, destaco três factos:

1 – estes eventos recentemente conhecidos não são “novos”;

2 – refletem práticas comuns de inúmeros clubes de futebol;

3 – não são eventos exclusivos do futebol.

Em termos gerais, as entidades responsáveis pelas diversas modalidades desportivas nacionais gozam de uma certa impunidade legal e até prevaricam em conluio com distintos poderes políticos e/ou instituições públicas.

A notícia infra suscita alguma curiosidade, relativamente à forma como as instituições públicas se posicionam sobre os casos de corrupção.

Corrupção faz cair delegado da FPF

“O ex-presidente da Académica José Eduardo Simões perdeu o mandato de delegado da Assembleia- geral da FPF, por ter sido condenada, em 2013, por corrupção passiva. A Federação, que antes se recusara a afastar Simões, tomou aquela decisão, anteontem, por força de um parecer da Procuradoria-Geral da República que a avisava de que lhe poderia ser suspenso o estatuto de utilidade pública desportiva.”

Vejamos:

Há um funcionário público que foi condenado por corrupção em 2013 e que não é afastado das funções que exerce numa instituição de utilidade pública (a Assembleia-geral da FPF);
E que só é afastado perante a perspetiva “ameaçadora” de um parecer da Procuradoria-Geral da República.

Desconheço a leitura que o cidadão comum faz destes factos, mas a mim, causam-me bastante perplexidade e preocupação. Será compreensível e até admissível que uma condenação possa ser “inconsequente”, em termos práticos?

Obviamente que este comportamento é revelador de alguma inércia que as instituições públicas aparentam ter perante os corruptos condenados. Situações há, extrafutebol, nas quais são as próprias instituições públicas a desenvolver “parcerias” com privados. Há Câmaras Municipais (CM) a ceder instalações públicas a Associações Desportivas Sem Fins lucrativos a custo zero. As CM não prestam contas aos seus eleitores, as associações sem fins lucrativos não são assim tão pouco lucrativas. Elas são, na sua grande maioria, pertencentes a particulares com usufruto do espaço público, com vista ao enriquecimento. Não há vestígios de qualquer concurso público nestas atribuições e, … continuam as irregularidades, sem qualquer impedimento ou constrangimento.

Há situações bem mais graves e preocupantes? Sim há, sem dúvida. Mas isso não deve impedir que se intervenha nos ditos “pequenos casos”, que irradiam um pouco por todo o lado.

A questão a colocar deveria ser: haverá vontade política para travar esta corrupção?