Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)

O princípio do mandato único é uma verdadeira falácia

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A não recondução da Procuradora Geral da República (PGR) clarificou o que todos já sabíamos: em Portugal, não vigora o princípio da meritocracia nos cargos públicos.

É relativamente consensual que a PGR exerceu um mandato exemplar e que, caso fosse atendida a vontade da maioria dos portugueses, continuaria no cargo. Não tendo sido assim, prevaleceu o (suposto) princípio do mandato único sobre o princípio da meritocracia, em nome da vitalidade da democracia e da afirmação da credibilidade das instituições. Até podia estar assim instituído, mas não estava e não estará.

O princípio do mandato único é pois uma verdadeira falácia por três razões.

Primeiro, porque a vitalidade democrática depende muito mais da qualidade da justiça (assegurada, neste caso, pela continuidade da PGR) do que do mandato único, e a credibilidade das instituições depende sobretudo de pessoas “certas”.

Segundo, porque a limitação do cargo a um só mandato foi, na devida altura, claramente rejeitada em sede de revisão constitucional. No limite, pode até considerar-se que, neste caso, a defesa do princípio do mandato único é contrária à constituição ou que, na prática, ocorreu uma “encapotada” mini-revisão constitucional fora da Assembleia da República. A opção tomada é, portanto, exclusivamente política.

Terceiro, porque não havendo imposição constitucional para o mandato único, a defesa do princípio devia estender-se a todos os cargos públicos de nomeação política ou de eleição. Sejamos honestos, a renovação da classe política é “mega” lenta. Vemos que as gerações mais novas, as mais qualificadas de sempre, não estão dignamente representadas no sistema político, vemos as mesma “caras” nos mesmos cargos ou em cargos conexos há imenso tempo, vemos (ex-)políticos cruzarem “portas giratórias” entre o público e o privado e, vá, vemos também a degradação dos serviços públicos, os níveis da dívida e da carga fiscal, ....

Nas próximas eleições iremos então eleger novos deputados para o parlamento Europeu e para a Assembleia da República, um novo Primeiro-Ministro e um novo Presidente da República. Sim, porque todos nós acreditamos no Pai-Natal e acreditamos piamente que, daqui para a frente, vigorará o princípio do mandato único! Como não somos mentcaptos, certamente que a abstenção continuará a ser o maior partido português.