Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios

No dia 29 de março do próximo ano, daqui a apenas seis meses, o Reino Unido deixa a União Europeia e uma nova era começará nas relações internacionais e no comércio internacional.

As empresas europeias preparam-se ativamente para este choque, enquanto em Portugal a letargia parece instalada. Alguma comunicação social com a insistência num eventual, mas muito pouco provável, recuo britânico não ajuda a criar o clima de urgência que é necessário.

Para dar um exemplo entre muitos, o porto de Roterdão, um dos maiores e mais bem geridos da Europa, anunciou já o início da contratação de mais 928 agentes aduaneiros e 145 inspetores veterinários para garantir a rápida passagem dos bens vindos do Reino Unido que serão, mais tarde ou mais cedo, extracomunitários e, consequentemente, sujeitos a regras alfandegárias diferentes.

Se avançarmos para o cenário da ausência de acordo, o Reino Unido passa a ver-lhe aplicado o estatuto de extracomunitário no dia 29 de março de 2019 e se um acordo for assinado, então, durante mais 21 meses continuarão em vigor as regras comunitárias, mas no final o estatuto do Reino Unido mudará. Neste momento não há acordo à vista, permanecendo profundas divergências entre as partes. É necessário estar preparado para o pior dos cenários.

Que fazem os portos portugueses? Será que o tráfego de e para o Reino Unido migrará para outros portos, espanhóis, por exemplo, mais bem preparados e apetrechados? A culpa será depois atribuída, como de costume, aos trabalhadores? Ou aos estivadores?

Uma passagem pelo sítio da internet do porto de Lisboa revela que a atual administração pensa que o quadro permanece "estável e globalmente dimensionado à luz da estrutura departamental vigente e de acordo com as respetivas atribuições funcionais". Nem uma palavra sobre o Brexit. Termina com a seguinte indicação sobre recrutamento: "Neste momento, não existem processos a decorrer." Uma visita ao sítio da Direção de Serviços de Tributação Aduaneira revela a mesma inércia. Que contraste com Roterdão.

Mas não são só os portos que precisam de estar preparados. Desde logo também os aeroportos. E muitas empresas que distribuem produtos oriundos do Reino Unido. Estas últimas com a saída devem mudar o seu estatuto para importadores e para isso são necessárias, de acordo com as regras europeias, diversas licenças.

Produtores que hoje vendem ou exportam bens com incorporação de peças ou matérias intermédias provenientes do Reino Unido poderão perder o estatuto de "originário da UE" e passar a pagar taxas alfandegária no interior da União Europeia, perdendo eventual competitividade.

O turismo que repousa parcialmente na origem britânica também precisa de se preparar para que o nível de turistas não diminua.

Muito deste trabalho parece estar atrasado.

É aliás curioso verificar que muitos estudos sobre o impacto do Brexit começam por quantificar os danos ao nível da União e deste ou daquele país em particular, desta ou daquela indústria em específico, mas que quando se trata de nosso país dizem apenas que para "Portugal e para as empresas portuguesas o impacto total ainda não é claro". Esta atitude revela uma difícil relação com a verdade ou uma preocupante ignorância. Inclino-me para a segunda hipótese. Quando se trata do quarto maior destino das nossas exportações e da segunda mais importante fonte de investimento estrangeiro este tipo de ignorância paga-se caro.

Seria desastroso que Portugal, num momento em que nova crise financeira internacional se levanta, viesse a sofrer com o Brexit apenas porque as suas empresas e serviços públicos não se prepararam adequadamente para esta saída anunciada com grande antecedência.

É preciso por mãos à obra com outro vigor.

Economista