Ana Clara Borrego, Jornal i

Há cerca de um mês o Primeiro-Ministro português anunciou que o próximo Orçamento de Estado irá contemplar um pacote de incentivos fiscais com impacto no IRS, o qual visa fomentar o regresso a casa de emigrantes portugueses.

As medidas anunciadas passam pela redução da taxa de IRS em 50% para aqueles que regressem a Portugal nos anos 2019 e 2020, com intenção de permanecer no país, bem como na dedução integral das despesas inerentes a esse regresso.

Sendo este um assunto actual e pertinente verifica-se, mais uma vez, o uso (ou abuso) da fiscalidade para atingir fins que lhe são alheios, naquilo que tecnicamente denominamos por medidas de extrafiscalidade, não poderia, pois, deixar de escrever sobre este assunto nesta crónica.

Devo começar por referir que nutro o maior respeito pelos nossos emigrantes, principalmente pelos que foram forçados a emigrar por não terem em Portugal forma de sustentar condignamente as suas famílias.

Porém, a questão central que se coloca é se Portugal criou, ou está a criar, empregos que sejam reconhecidos pelos emigrantes como sendo suficientemente apelativos para o seu regresso à pátria?

Na verdade não estou convicta que a criação de empregos em Portugal esteja a ser razoavelmente atractiva. E não estou sozinha. Muitos emigrantes também já o reconheceram. Pelo que a minha primeira crítica a esta iniciativa é que ela pode vir a revelar-se uma inutilidade, na medida em que só existirá uma redução efectiva de tributação sobre os rendimentos que decorram dos novos empregos que os emigrantes que regressem a Portugal venham a ter.

Nesse sentido, a iniciativa parece ser uma medida avulsa, de quem tenta construir a casa pelo telhado, ou uma proposta “populista”, que procura mesclar emoções pessoais com motivações fiscais.

A segunda crítica que me apraz realizar foca-se nos problemas de injustiça, causados pela falta de equidade fiscal inerente a esta e outras medidas, que visam alegadamente a criação de regimes fiscais mais benevolentes para grupos específicos de indivíduos.

Para que o leitor melhor compreenda o problema que está em causa, um bom sistema fiscal deve cumprir algumas características, das quais destaco a equidade, mormente a equidade horizontal, a qual, grosso modo, determina que os contribuintes com níveis de rendimentos semelhantes devem ser sujeitos ao mesmo nível de tributação.

Como facilmente se depreende, os regimes fiscais mais benevolentes subvertem a equidade horizontal do sistema fiscal, diminuindo a tributação no grupo visado e aumentando a carga fiscal sobre o comum dos contribuintes, ou, por outras palavras e relativamente a esta medida em concreto, será legítimo questionar se a criação deste regime é justa, do ponto de vista fiscal, para aqueles que permaneceram no país e, consequentemente, suportaram e pagaram a crise?

Acresce que o IRS, em virtude da diversidade de regimes ou de opções fiscais existentes ou anunciados, nomeadamente para os não residentes, os residentes não habituais, os ex-emigrantes, ou as pessoas que transfiram a residência do litoral para o interior, entre outras situações, se está a tornar um imposto onde impera cada vez menos a equidade fiscal horizontal, consubstanciando-se cada vez mais numa tributação “à la carte” onde predomina a desigualdade fiscal, com descriminação positiva daqueles grupos face aos demais.

Para finalizar, importa, pois, questionar quem se preocupa em “fidelizar” ao país os cidadãos que suportaram e pagaram a crise, que pagam actualmente os impostos que possibilitam a realização dos fins públicos, e que, adicionalmente, têm ainda de sustentar todas as opções ou figuras fiscais mais favoráveis entretanto criadas relativamente a determinados contribuintes?