Nuno Guita, Visão online

Será que um sistema de Gestão de Compliance (CMS) necessita verdadeiramente de ética? Se a ética tem mesmo uma relação com o Compliance, então qual é o papel do gestor de Compliance? A questão reduz-se a saber se um Compliance meramente legal serve o suficiente no mundo económico actual?
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É antiga a pergunta filosófica sobre se o Compliance é ou não sobretudo uma questão de ética. Nos Estados Unidos anuncia-se num mesmo folego Ética e Compliance. Porém na Alemanha é bem diferente. Numa abordagem simplista encontraremos dois campos: 1.) aqueles que entendem o Corporate Compliance como apenas legal Compliance – os Ortodoxos do Compliance; e 2.) aqueles que consideram que um sistema de gestão de Compliance apenas será sustentável e sobreviverá se for construído sob uma base ética e com valores internos corporativos - os Comprometidos do Compliance. De referir que estes últimos também são por vezes apelidados de “esotéricos do Compliance”.

A forma mais fácil de se chegar a um consenso seria, obviamente, através de estudos empíricos ou outras evidências robustas, que provassem cientificamente que uma empresa que actua orientada por valores e com ética, está melhor posicionada junto dos seus acionistas e demais stakeholders e tem melhores resultados comerciais quando comparada com empresas que es exclusivamente orientadas para a maximização do lucro. Mas falta-nos essa evidência até hoje apesar de muitos estudos procurarem provar isso mesmo.

No entanto mesmo sem que se comprove uma causalidade económica benéfica, tal não significa que não seja recompensado. Existem indicações empíricas de que uma conduta ética é recompensada no mundo económico. Tomemos, por exemplo, o caso da holding de investimentos Berkshire Hathaway. Esta tem actualmente um “desafio” decorrente do seu sucesso, onde aplicar os seus activos? É claro que um dos seus principais segredos do sucesso, resulta do enorme senso de Warren Buffett, que tem sempre sabido quais as empresas a adquirir e em que momento. Por outro lado, mantém a sua Holding há já várias décadas, diversas empresas que se mantêm no rumo do sucesso. Um dos motivos encontra-se no facto de Buffett apostar numa política de confiança, e em particular no “Tone from the Top”, existindo consistência de valores em toda a estrutura. Num estudo de Larcker e Tayan[1] na Universidade de Stansford aos gestores da Holding verificou-se que os atributos mais citados dessa cultura organizacional são honestidade, integridade, orientação a longo prazo e o enfase no cuidado com o cliente. Os entrevistados também concordavam que a cultura da Berkshire é diretamente influenciada pelas instruções do Topo. As principais mensagens transmitidas pela sede da Berkshire Hathaway eram: 1. Nunca comprometer a reputação da marca Berkshire Hathaway ou da marca da empresa; 2. Gerir o negócio como se fosse o único ativo familiar pelos próximos 50 anos; e 3. Integridade vem em primeiro lugar. A este respeito relatam os administradores ser “muito claro” quais ações ou atividades dentro das suas empresas que seriam aceites pela sede da Berkshire Hathaway e quais não.

Cá está! Num mundo de negócios globalizado, factores como confiança e reputação são cruciais para o sucesso de qualquer empresa. Isso é consegue-se desde logo acordando em primeiro lugar quais os valores éticos que vigoram dentro da empresa. E por outro lado, demonstra como de facto é possível gerir grandes conglomerados com sucesso por meio de uma certa cultura orientada por valores e, mas não menos importante, confiança.

Este caso da holding Berkshire Hathaway, deve inspirar todos os administradores, pois se nem o Warren Buffet com toda a sua genialidade prescinde de uma abordagem ética e de uma cultura positiva baseada na confiança, porque havíamos nós de pensar que para a gestão de Compliance basta o cumprimento das normas legais e regulamentares? Será uma conformidade legal suficiente?

Desde logo não pode redundar numa questão menor porque a ética é postulada como pré-requisito para a eficácia de qualquer Sistema de Gestão de Compliance, em todos os normativos relevantes: desde Guidances para o UK Bribery Act, às US Sentencing Guidelines, entre outras.

Portanto, é claro que as políticas que são importantes para o Compliance Corporativo incluem necessariamente questões éticas como base para todo o sistema. Isso deixa mais uma vez claro que um sistema de gestão de Compliance para ser eficaz deve incluir a ética. Só assim fica claro para todos os colaboradores quais os comportamentos “éticos” e quais os “não-éticos”. Resta agora a questão: exatamente o quê e como é que devemos incluir?

E para complicar ainda mais: o que devemos fazer quando descobrimos que a cultura corporativa está colossalmente distante de um comportamento ético e honesto?

 

NOTAS

  1. Larcker, David F. and Tayan, Brian, Trust and Consequences: A Survey of Berkshire Hathaway Operating Managers (October 20, 2015). Rock Center for Corporate Governance at Stanford University Closer Look Series: Topics, Issues and Controversies in Corporate Governance No. CGRP-52; Stanford University Graduate School of Business Research Paper No. 15-53. Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=2678556