Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios

Esta atitude de ignorante soberba, de nada saber mas convencer-se que se tem a solução para tudo, pesa nas nossas empresas e organizações e contribui para o secular atraso português.

Recentemente o ramo português de uma associação internacional a que pertenço decidiu implementar uma política de resolução de conflitos tendo convidado alguns membros a participar nesse trabalho. Pensando poder aportar algum valor voluntariei-me, mas cedo me arrependi.

O conflito ao nível empresarial é um fenómeno inevitável que pode, se bem gerido, ser fonte de inovação, criatividade e desenvolvimento organizativo. Por isso muitas empresas e associações adotam políticas específicas para resolver conflitos de forma produtiva.

A primeira pergunta que fiz foi que tipo, com que frequência e de que gravidade eram os conflitos internos que se verificavam. A resposta foi elucidativa: não sabiam. Tinham a vaga ideia que o conflito era recorrente e muitas vezes paralisante da ação da organização, i.e. um conflito destrutivo, mal gerido e mal resolvido.

Sugeri, então, timidamente que se deveria começar por fazer um pequeno inquérito para identificar melhor o problema que se pretendia resolver. Que não, não era preciso. Tinham lido alguma literatura anglo-saxónica sobre o tema e já tinham a solução! Só faltava traduzir e completar um texto que encontraram na internet.

Argumentei que prescrever um medicamento antes de conhecer a doença poderia ser perigoso para o paciente e que, nada melhor do que fazer um teste, num par de situações, para verificar se o método escolhido pela internet era o mais adequado para os casos que tinham pela frente. Falei-lhes mesmo das diferenças culturais entre a cultura portuguesa e a anglo-saxónica, lembrando que o que funciona numa cultura pode não funcionar noutras.

Em uníssono os dirigentes esclareceram que o teste era inútil uma vez que o método era utilizado noutros países com sucesso, e passaram de imediato a distribuir tarefas no sentido de quem traduzia e escrevia o quê.

Mostraram-se ignorantes dos trabalhos de Geert Hofstede, o gestor da IBM, que no início dos anos 70 do século passado verificou que os métodos de gestão anglo-saxónicos não funcionavam noutras culturas. Hofstede iniciou, então, um estudo em larga escala, envolvendo mais de meia centena de países e mais de 100 mil pessoas, que o levou a identificar importantes diferenças culturais entre países e o seu impacto na forma como as organizações devem ser geridas. Muitos outros trabalhos foram elaborados desde esse tempo neste novo e rico campo do saber.

Mas se a atitude destes dirigentes associativos é, por um lado, emblemática de uma certa ignorância educacional, por outro exemplifica uma certa cultura que prolifera pelas empresas e pelas associações.

Uma cultura que rejeita e evidência empírica, a estatística, o conhecer o problema no seu detalhe e o teste das possíveis soluções, e prefere a teoria e o pensamento superficial, naturalmente, copiado de outros que, esses sim, estudaram o problema a fundo e testaram as soluções.

Infelizmente tais soluções não devem ser copiadas cegamente porque o ambiente cultural é diferente e tendem, como o demostraram Hofstede e outros, não só a não funcionar como a serem contraproducentes.

Esta atitude de ignorante soberba, de nada saber mas convencer-se que se tem a solução para tudo, pesa nas nossas empresas e organizações e contribui para o secular atraso português.