Óscar Afonso, Jornal i

Os baixos níveis de rendimento auferidos na economia formal e/ou com prestações sociais fomentam a necessidade de obter rendimentos complementares na economia informal

Na crónica de hoje gostaria de enfatizar a necessidade da economia informal para alguns indivíduos, pelo menos durante um período transitório. Muitas vezes a designação economia informal é adotada como sinónimo de economia paralela (não registada ou sombra). Porém, a economia informal, basicamente associada a estratégias de sobrevivência, é apenas uma parte, talvez mínima, desse agregado bem mais vasto usualmente fruto de comportamentos anormais ou marginais e desviantes.

Economia Informal é uma das componentes da economia não registada, absorvendo parte das suas características genéricas. De acordo com a OIT a “refere-se a todas as atividades económicas de trabalhadores e unidades económicas que não são abrangidas, em virtude da legislação ou da prática, por disposições formais. Estas atividades não entram no âmbito de aplicação da legislação, o que significa que estes trabalhadores e unidades operam à margem da lei; ou então não são abrangidos na prática, o que significa que a legislação não lhes é aplicada, embora operem no âmbito da lei; ou, ainda, a legislação não é respeitada por ser inadequada, gravosa ou por impor encargos excessivos.”

A economia informal manifesta-se como resposta a problemas observados no mercado de trabalho e, em particular, em situações de desemprego, proporcionando rendimento, ocupação de tempo, e o desenvolvimento e a consolidação de competências, criatividade e talento perante a sociedade. Muitos concidadãos registam percursos profissionais precários com sucessivos empregos, não conseguindo consolidar vínculos laborais. Essa precariedade manifesta-se em baixos salários e subemprego, sendo que frequentemente há uma série de obstáculos à inserção e à reinserção – baixa escolaridade, desqualificação, discriminação face à idade, à saúde ou à orientação sexual. A precaridade e a duração de situações de desemprego remete para o respetivo carácter estrutural e revela os limites dos mecanismos de proteção disponíveis. Porque a precariedade laboral se traduz em carreiras contributivas de menor regularidade e em baixos salário, a proteção social no desemprego é reduzida. Não admira, portanto, que o desemprego de longa duração se encontre presente em praticantes de economia informal, que, desse modo, conseguem colmatar reduzidos rendimentos.

Processos de inserção por concretizar tendem a traduzir-se em percursos longos e contínuos na economia informal. Essa continuidade reforça a perceção de naturalização da situação e, conjuntamente, com a perceção de insegurança no emprego, face à precariedade dos vínculos laborais, representa um risco de perpetuação de práticas. Por outro lado, o percurso “no informal” constitui uma perda efetiva de capacidade produtiva, porque afasta, excluindo, do mercado de trabalho população ativa. O circulo (vicioso) continua porque deixa de haver condições de participação em processos de requalificação direcionados para eliminar obstáculos colocados à inserção ou reinserção socioprofissional. Neste contexto, o emprego é a referência primordial, na medida em que, por essa via, se acede a um rendimento estável e à proteção social presente e futura.

A economia informal pode, noutros casos, ser necessária para fazer a transição para a economia formal. No seu seio podem ser estruturadas atividades económicas futuras. Esta perceção decorre da maior flexibilidade propiciada pela informalidade para a criação e consolidação de certas atividades, já que não atende às regulamentações vigentes. Para que a transição ocorra é necessário ter presentes os obstáculos ou, pelo menos, a sua perceção. Obstáculos colocados, por exemplo, pela carga fiscal, impostos e contribuições, que não atendem à incerteza e à instabilidade associada às atividades informais, mas que deverá fazê-lo. Obstáculos colocados também pela baixa rentabilidade de certas atividades informais e que, em condições normais, a formalização levaria à sua insustentabilidade.

Na medida em que a transição originará para os indivíduos custos monetários, de esforço de adaptação a novas competências, de estruturas e de contexto, há que ter presente também a contrapartida em termos de benefícios associados.

A proteção social, face às contribuições e impostos suportados com a formalização, constitui o principal benefício da transição. Assim, a redução de prestações sociais que protegem em caso de acidente, saúde, desemprego e reforma afeta negativamente a predisposição para a formalização, o que traduz a análise de custos e benefícios associados à decisão de praticar a economia informal face às mudanças económicas, sociais e regulamentares.

A transformação de atividades informais em trabalho por conta de outrem deve revelar-se desejável para quem opera na informalidade. Poderá assim fazer sentido equacionar outros tipos de contrato de trabalho menos frequentes como, por exemplo, contratos de trabalho com múltiplos empregadores. Pode ainda haver atividades que subsistem porque existem necessidades espartilhadas. Neste caso há que saber qual o nível mais adequado para a agregação das necessidades de trabalho, devendo emergir entidades intermédias que assegurem a escala adequada para a contratualização da prestação de trabalho com os que se encontram disponíveis e capazes para o assegurar.

A criação do próprio emprego (formal) é o passo desejável, mas depende da especificidade do trabalho, do indivíduo e da potencialidade da atividade para sobreviver formalmente. Apesar do processo de transição para a formalidade beneficiar das competências adquiridas ao longo do percurso informal, os desafios continuam relevantes. Em particular, é necessário que os indivíduos consigam identificar e encontrar estratégias para lidar com os riscos associados ao exercício em contexto formal.

Ao nível da proteção social e do emprego a economia informar não deixa de revelar a vulnerabilidade à pobreza e à exclusão social. A economia informal revela a inadequação do rendimento associado às prestações sociais. Assumindo que as políticas sociais visam assegurar a proteção social dos indivíduos, em particular dos mais vulneráveis, elas são cruciais para a inclusão social. Sendo imperiosa a necessidade de obtenção de rendimentos para fazer face às necessidades, a economia informal levanta pois questões quanto à adequação dos rendimentos associados às prestações sociais.

Se as políticas sociais são fundamentais ao nível das condições de vida dos agregados domésticos, também parecem revelar uma certa inadaptação às diferentes fases do ciclo de vida. O nível de necessidades de um agregado doméstico é diferente em diferentes fases de vida. As despesas aumentam como a frequência do ensino superior, com o incremento dos problemas de saúde com a idade ou a necessidade de encontrar uma habitação adequada, não havendo uma associação direta entre o aumento das despesas e as prestações sociais.

Sempre que há mudanças ao nível de prestações como os subsídios de doença e de desemprego no sentido da sua diminuição, assim como das pensões e reformas há um impacto positivo na economia informal já que passa a ser mais apelativa. Os baixos níveis de rendimento auferidos na economia formal e/ou com prestações sociais fomentam a necessidade de obter rendimentos complementares na economia informal. Por outro lado, a precariedade subjacente aos contratos a termo, baixos salários, a incapacidade para ter uma carreira contributiva regular e o emprego a tempo parcial, contribuem para a menor expressividade dos descontos efetuados o que implicará menores valores associados às prestações sociais de que os indivíduos venham a beneficiar. O recurso à economia informal revela-se então crucial para repor rendimento perdido ou obter rendimento preciso.

Assim, há que saber distinguir entre a prática da economia informal como reação a adversidades e a prática da economia informal como resultado de fatores de exclusão associados ao mercado de trabalho. Embora seja positivo que os indivíduos possam recorrer à economia informal para obterem trabalho e rendimento em períodos de dificuldades, não é possível considerar que seja positiva a manutenção das situações de economia informal no longo prazo, na medida em que não se pode revelar como trajeto alternativo ao emprego no contexto da inclusão social dos indivíduos. A redução da economia informal deve ser equacionada pela via do emprego de qualidade, a tempo completo, seguro, estável, com acesso à formação profissional e à progressão na carreira e com salários adequados ao custo de vida.