José Ferreira, Visão online

Esta cultura de caciquismo, que se perpetua no tempo e vai gerando “jobs for the boys” tem de cessar, sob pena de um futuro absolutamente comprometido
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Sabemos, porventura – em alguns casos por ventura – bem demais, que a corrupção faz parte da nossa vivência.

Autores há, com os quais concordo em absoluto, que consideram que como qualquer outro tipo de criminalidade, económico-financeira ou não, esta faz parte da normal vivência em sociedade e é absolutamente essencial na manutenção do equilíbrio do tecido social e económico.

Apesar destas considerações, e aceitando-as ou não como verdadeiras, cabe às sociedades a regulação e a criação de mecanismos de controlo, combate e repressão destes comportamentos que, por via de regra, se consideram desviantes, por forma a manter a sustentabilidade dos regimes democráticos.

Nos últimos tempos, com particular incidência nos meses de junho e julho, diria que fomos quase assoberbados com notícias de buscas e mais buscas, operações atrás de operações – algumas até com nomes bastante sui generis – levadas a cabo pela Polícia Judiciária relativamente a investigações que ali se desenvolveram, respeitantes a vários crimes do chamado “catálogo” dos crimes económico financeiros, entre os quais, e mais representativamente, a nossa tão familiar corrupção.

Não deixa de ser triste, e simultaneamente alarmante, que muitas das investigações incluam como suspeitos e, em alguns casos, arguidos (sublinhe-se, suspeitos e arguidos e apenas isso, até trânsito em julgado de eventual condenação), indivíduos intimamente ligados aos aparelhos dos ditos partidos políticos do arco da governação e a instituições e organismos públicos, estes sustentados pelo dinheiro dos contribuintes.

Esta é infelizmente uma tendência, direi mesmo uma constante, no nosso país e nos últimos anos, no que a investigações de criminalidade económico-financeira diz respeito.

Desengane-se quem pensa que estes crimes, os económico-financeiros, não têm um custo económico e social, elevadíssimo.

Estamos a falar de dinheiros públicos que são, muitas vezes sob a capa de negócios aparentemente legítimos, indevidamente encaminhados para empresas cujos verdadeiros proprietários são membros ou familiares de membros do aparelho do partido A ou B, ou indivíduos do seu grupo de amigos com quem, a troco de favores (monetários ou não), se realizam, sem olhar a custos ou prejuízos, negócios verdadeiramente ruinosos para as finanças públicas.

A nível de autarquias locais e organismos públicos falamos de centenas de milhares de euros; ao nível do governo subimos, seguramente, para a casa dos milhões, que são verdadeiramente espoliados ao erário e cuja correta aplicação em investimentos necessários ao bem-estar da população (estruturas, serviços, apoios sociais, etc) não acontece.

Não se pense que apenas existem estes custos diretos: a carga fiscal que nos é imposta é também um resultado indireto da situação económica aflitiva a que chegou o país.

Os custos sociais são colossais. O desinvestimento na educação, na justiça e na saúde enfraquecem e deturpam a condição humana, na medida em que mutilam os direitos individuais e sociais, com evidente reflexo na qualidade de vida e bem-estar individual e coletivo dos cidadãos.

O nível de compadrio assumiu proporções nunca antes vistas, ou, pelo menos, reveladas. A troca de favores (tráfico de influências) assume-se como o comportamento normativo no interior de determinadas organizações político partidárias, que servem apenas agendas próprias dos seus integrantes e olvidam o compromisso da causa pública.

Esta cultura de caciquismo, que se perpetua no tempo e vai gerando “jobs for the boys” tem de cessar, sob pena de um futuro absolutamente comprometido!

É preciso forçar a disrupção desta linha de pensamento e forma de estar de quem nos representa e gere os dinheiros públicos pois caminhamos, lentamente, em direção à distopia absoluta.

Que é feito da integridade, da virtude, do sentimento de servir a causa pública?