Raquel Brito, Jornal i
Portugal tem vindo a aceitar progressivamente Normas Comunitárias no seu ordenamento jurídico independentemente do seu ajustamento à nossa realidade.
De acordo com o artigo 8º da Constituição da República Portuguesa, “as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português”. Num país cada vez menos independente, o Direito comunitário é constituído pelas Diretrizes Comunitárias que se aplicam à norma jurídica portuguesa, realidade inevitável.
Enquanto membro da UE, Portugal tem vindo ao longo dos anos a aceitar progressivamente Normas Comunitárias no seu ordenamento jurídico. Se por um lado, na sua transposição o legislador considera a realidade nacional, por outro, a transposição é direta, independentemente do seu ajustamento à nossa realidade.
Com particular atenção ao setor empresarial, é notória a preocupação em “normalizar”, ou seja, criar padrões legislativos entre os Estados Membros.
Nos últimos anos o paradigma empresarial em virtude das transformações supramencionadas, sofreu uma viragem de 180º. Tendo que se adaptar às imposições europeias.
- Em anos passados surge o SNC (Sistema de Normalização Contabilística) na procura, pela imposição de uma linguagem contabilística universal, da igualdade de critérios na mensuração de ativos e passivos das empresas. Na procura da uniformização do relato financeiro, auxiliandoo investidor a avaliaras empresas, independentemente do seu enquadramento económico, financeiro ou social.
- Mais recentemente, o RGPD (Regime Geral de Proteção de Dados), com transposição direta ao ordenamento jurídico nacional, reflete uma discrepância entre as distintas realidades europeias. Desde as coimas desajustadas, passando pela pouca capacidade de implementação das empresas, até à falta de informação das entidades competentes, tudo isto reflete uma total descoordenação.
- Por fim, a Diretiva UE 2015/2302 – Diretiva Europeia das Viagens Organizadas (de 2015) em vigor, em território nacional, após dia 1 de junho. São diversas as alterações à anterior legislação, nomeadamente a existência de uma relação contratual escrita, a possibilidade de cancelamento sem penalização (caso de terrorismo, catástrofes naturais ou surtos de doença no destino). No entanto, da essência da leitura do texto percebe-se que há uma proteção excessiva dos líderes da atividade (operadores turísticos) deixando desprotegidas as pequenas empresas (agências de viagem - PME).
Neste caso, o mais preocupante é existir a perceção que entidades como a APAVT, DECO (com responsabilidades no turismo e consumo, respetivamente) bem como a Confederação do Turismo não acautelaram devidamente a transposição desta nova diretiva. De uma forma leviana colocaram as agências de viagens nas mãos dos operadores turísticos, contrariando a interpretação inicial da diretiva.
Não existiu uma preocupação da DECO em salvaguardar os interesses dos consumidores, poderia ter “exigido” que o FGAVT (Fundo de Garantia de Agências de Viagens e Turismo) fosse aumentado, o que não ocorreu, inexplicavelmente.
A procura da uniformização legislativa europeia no setor empresarial abrange inúmeras preocupações, nomeadamente clarificar lacunas especificas de cada setor, facilitar o combate à criminalidade (fraude fiscal, branqueamento de capitais, entre outros).
Contudo, a sua transposição para o contexto jurídico não reflete a justiça e a equidade que subjaz a sua essência. Ficando a sensação de que tudo é levianamente tratado sem ouvir os principais interessados, favorecendo os grupos empresariais mais vigorosos do mercado, transpondo textos desajustados.