Ana Clara Borrego, Jornal i
O movimento pelo interior apresentou um pacote de propostas que, resumidamente, se traduzem na melhoria de algumas medidas de benefícios fiscais actualmente já aplicáveis ao interior
Antes de dar sequência à crónica é importante frisar que não sou contra as propostas do movimento pelo interior na sua essência, nem nos seus grandes objectivos, e referir que estas propostas têm, logo à partida, um grande mérito, colocar-nos a reflectir e a discutir estas questões, quer estejamos, ou não, inteiramente de acordo com as propostas apresentadas.
No contexto fiscal, o movimento pelo interior apresentou um pacote de propostas que, resumidamente, se traduzem na melhoria de algumas medidas de benefícios fiscais actualmente já aplicáveis ao interior, bem como na redução da zona de aplicação de alguns benefícios fiscais presentemente existentes a nível nacional, passando a restringir a sua aplicação exclusivamente ao interior do país, assim como à criação de um regime fiscal mais benevolente, no contexto do IRS, para os quadros científicos, técnicos e artísticos, que transitem a sua residência do litoral para o interior; passariam, deste modo, por exemplo, a ser de aplicação exclusiva ao interior o grosso dos benefícios fiscais ao investimento.
Não obstante centrar esta crónica no contexto fiscal, para que os leitores que ainda não conhecem o conteúdo destas propostas em pormenor compreendam o alcance do que vou escrever, é importante referir, embora muito resumidamente, a essência das medidas propostas para os outros dois vectores. Assim, no contexto do território, as medidas propostas assentam, principalmente, na transferência de serviços públicos localizados em Lisboa para o interior, bem como na localização dos novos serviços exclusivamente no interior do país; no contexto da educação, de entre as medidas propostas destaca-se a redução de vagas no ensino superior no litoral e o seu aumento nos estabelecimentos de ensino superior localizados no interior do país.
Analisado todo o pacote de medidas, cuja leitura integral e atenta aconselho aos leitores, verifico que, infelizmente, o mesmo assenta em pressupostos fundamentais de base com os quais não consigo concordar e que passo a referir:
- O objectivo principal não deveria ser retirar actividade económica ao litoral para colocar no interior, como se litoral e interior fossem inimigos, ou como se o litoral português fosse extremamente rico e desenvolvido e usufruísse de uma excelente saúde económico-financeira, isto é, na minha opinião, a «palavra de ordem» deveria ser criar e não deslocalizar;
- O pacote de medidas não é suficientemente lato nas áreas que abrange, nele faltam alguns vectores essenciais ao desenvolvimento económico, como as infra-estruturas, nomeadamente, entre outros, as vias de comunicação que possibilitem movimentação de pessoas e bens de forma rápida e pouco dispendiosa; falta neste pacote, por exemplo, a proposta de abolição das portagens nas auto-estradas do interior e a aposta no transporte ferroviário;
- As medidas relacionadas com o território e com a educação assentam muito mais em «obrigar a» do que em «motivar para». Acresce que, o pequeno conjunto de medidas que procuram incentivar as pessoas à mudança do litoral para o interior, ou a compensá-las pela mudança compulsiva para o interior do pais, e que se configuram, nomeadamente em benefícios fiscais em IRS, prometem criar um outro problema: a falta de equidade e justiça fiscal entre os novos e os actuais residentes, por descriminar positivamente os “novos” residentes em detrimento dos que nunca abandonaram as zonas do interior. E aqui questiono-me, não deveria ser também uma das grandes preocupações, evitar o êxodo das populações do interior?
- O pacote de medidas apresentado trata o interior como se todo o interior fosse igual, como se os problemas e, principalmente, as soluções para todo o interior fossem iguais de norte a sul;
- Também se refere ao litoral como se no próprio litoral não existissem zonas economicamente desfavorecidas, quando sabemos que essa não é a realidade do nosso país;
- Acresce que não se vislumbram nas propostas apresentadas preocupações com a sustentabilidade do crescimento proposto. Será que pretendemos para o interior um desenvolvimento económico a qualquer custo? Ou será que queremos para o interior uma política de desenvolvimento económico sustentável e que não sacrifique o que o interior tem de bom, nomeadamente em termos de património ambiental?
Os membros do movimento pelo interior que me perdoem o atrevimento, mas no contexto fiscal, por ser a minha área, e por ser a fiscalidade, tal como já tenho referido em outras intervenções, as “ferramentas” capazes de motivar mudanças no comportamento dos contribuintes e dos investidores deveriam, na minha opinião, incluir medidas que visassem:
- Incentivar fiscalmente a criação de novas empresas nas regiões economicamente desfavorecidas e não na deslocalização das existentes em outras regiões;
- Apostar, através de incentivos fiscais, em empresas cujos produtos sejam endógenos de cada região e em produtos e serviços diferenciados e que respeitem e aproveitem o património (cultural, gastronómico, ambiental, etc.) destas regiões – por outras palavras, não apostar em empresas que “copiem” o que é feito com sucesso nas outras regiões, mas em produtos e serviços inovadores e diferenciadores e sustentáveis em termos ambientais e sociais;
- Incentivar fiscalmente as empresas cujas matérias-primas de base se situem nas zonas apoiadas, ou que utilizem fontes de energias limpas e locais, para que a localização não seja um problema, mas uma das vantagens concorrenciais dessas empresas, evitando que findo o período de concessão dos benefícios fiscais as empresas apoiadas se deslocalizem para outras regiões;
- Apostar na criação, para os particulares residentes nas zonas economicamente desfavorecidas, de um pacote de incentivos fiscais semelhantes aos da insularidade (isto é, ao aplicado aos nossos arquipélagos), que abrange IVA, tributação sobre o rendimento, IMI e IMT, aplicável a todos os residentes, quer aos actuais, quer aqueles que se pretende atrair.
Por fim, na minha opinião, seria bastante oportuno conjugar os incentivos fiscais à criação de novas empresas nas regiões economicamente desfavorecidas com a necessidade de mudança de paradigma da economia linear para a economia circular, incentivando fortemente empresas novas que pretendam situar-se naquelas regiões e cujo paradigma de sistema de produção seja circular e não linear, bem como, a aposta nas estruturas de distribuição partilhadas regionais, que possibilitariam diminuir os custos de distribuição das empresas localizadas nas regiões desfavorecidas mais remotas, mas também minimizar a sua pegada ambiental na vertente de distribuição e logística.