Alda Correia, Visão online

“Do ponto de vista legal, diríamos que Portugal parece estar preparado para enfrentar a maioria das situações de fraude. Mas e a sociedade? A Justiça continua no seu trabalho, mas não estará na altura de refletir um pouco em como todos estes acontecimentos em tão curto espaço de tempo estão a afetar o modo de vida da sociedade portuguesa?”
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Durante anos, a Pós-Graduação em Gestão de Fraude constituía uma área estranha para que a população portuguesa olhava com desconfiança, tentando perceber a utilidade de tal num país de brandos costumes.

Estranhamente, hoje em dia, parece que a população portuguesa está, mais do que nunca, familiarizada com os temas de fraude e corrupção. A título de exemplo, se colocarmos num motor de busca as palavras “Sócrates” e “Espírito Santo” - as referências filosóficas e religiosas virão no final da página.

Sim, a intrincada relação entre politica e setor financeiro está a ser exposta como nunca e, numa cadência quase semanal, temos políticos e setor financeiro envolvidos em escândalos noticiosos explorados em profundidade pelos meios de comunicação social.

E ouvimos nos transportes públicos frases como “agora é que tudo se vais esclarecer…”

No dia seguinte, depois de mais um jogo do campeonato de futebol, ouvimos crianças a discutir futebol fazendo-se valer de argumentos judiciais, ou melhor, de noticias aparentemente baseadas em informações judiciais. E se cada português tem um treinador de futebol dentro de si, então hoje temos também um Juiz dentro de cada um de nós que nos permite, com base nas informações veiculadas na comunicação social, definir sentenças e, mais do que isso, analisar competências e qualidades técnicas de determinada equipa de futebol num jogo concreto, em função de notícias sobre emails e detenções de dirigentes desportivos.

Não se trata de negar o óbvio, mas numa atitude um pouco ingénua (quiçá a mesma ingenuidade dos miúdos dos anos 80 a que se refere Valter Hugo Mãe na sua recente entrevista ao Jornal Económico), fico num misto de sensação entre felicidade de viver num país onde a Justiça atua de forma independente e investiga todos os indícios criminais; e o desencanto sobre pessoas que fazem parte deste país.

Nunca como antes Portugal viveu publicamente tantos casos de suspeitas de fraude e/ou corrupção. E estes são os casos que vêm a público, serão apenas a ponta do iceberg?

Do ponto de vista legal, diríamos que Portugal parece estar preparado para enfrentar a maioria das situações de fraude. Mas e a sociedade? A Justiça continua no seu trabalho, mas não estará na altura de refletir um pouco em como todos estes acontecimentos em tão curto espaço de tempo estão a afetar o modo de vida da sociedade portuguesa?

Depois de tudo isto, Portugal não poderá ser o mesmo e, as gerações mais novas, terão com toda a certeza uma visão de Portugal distinta da que tem vindo a ser passada entre gerações.

E aqui reside a minha questão (talvez ingénua sim, mas verdadeira): Não estará na altura de investir mais na prevenção junto das novas gerações? Será importante refletir sobre a sensibilização positiva para o combate à fraude e corrupção de modo a que as novas gerações cresçam num ambiente de não conformismo com a fraude e corrupção.