Óscar Afonso, Público

 

Face ao enorme défice comercial dos Estados Unidos da América (EUA), a administração Trump propõe uma guerra comercial como solução, impondo restrições ao comércio internacional. Paralelamente, também a vitória do “não” à União Europeia pelo Reino Unido, na sequência do denominado referendo Brexit, representa um aparente progresso do protecionismo sobre a livre troca de bens e serviços. Em ambos os casos está em causa uma política “American/UK first”, visando fortalecer as indústrias americana e britânica em detrimento das indústrias dos países exportadores.

É verdade que as guerras comerciais entre países são frequentes, sendo que quem define as regras do comércio internacional e eventuais soluções de conflito é a Organização Mundial do Comércio (OMC). Assim, quando um país questiona práticas comerciais de outro, pode ser solicitada a abertura de um painel na OMC para impor mudanças nas práticas que entende prejudiciais e contrárias às regras internacionais, e avalizar possíveis retaliações. Caso os conflitos comerciais não terminem com uma solução negociada, o expectável é que ocorram efeitos negativos para os dois lados. No caso presente, o processo de limitação do comércio internacional imposto por duas economias relevantes em termos económicos, EUA e Reino Unido, afetará muitas outras economias, incluindo a Portuguesa, dado que as cadeias de produção e consumo estão interligadas.

Essa guerra comercial em curso poderá, pois, levar a uma escalada de tarifas, restringindo importações e exportações (já que importações de uns são exportações dos outros) e, assim, as trocas internacionais. A imposição de uma tarifa não favorece as exportações relativamente às importações, mas sim as atividades económicas direcionadas para o mercado interno relativamente às atividades direcionadas para mercados externos. É, dessa forma, absurdo que se utilizem medidas protecionistas por motivos de balança comercial, embora os políticos e “especialistas” frequentemente cometam esse erro. Desequilíbrios externos são o reflexo de desequilíbrios domésticos, pelo que a política comercial não é a resposta mais acertada para os défices comerciais.

Mesmo ignorando eventuais efeitos de retaliação, quais são então os efeitos diretos destes acontecimentos para a economia portuguesa? Em termos de efeitos estáticos, de nível, na sequência da limitação do comércio internacional pela guerra comercial dos EUA e o Brexit do Reino Unido, espera-se uma diminuição do preço internacional/mundial de cada bem ou serviço exportado por Portugal; efetivamente, face à menor procura de cada bem ou serviço tarifado no mundo, o excesso de oferta gerado levará à diminuição do preço. Em cada sector afetado, a produção e as exportações diminuem e o consumo aumenta, daqui decorrendo um impacto negativo para a dívida externa portuguesa.

Com a descida do preço, o aumento do consumo interno e a diminuição da produção doméstica, que acabará por ter efeitos também ao nível do mercado de trabalho, melhora o excedente do consumidor (ou seja, a diferença entre o que se paga e aquilo que se estava disposto a pagar, porque a utilidade marginal supera o preço até à última unidade consumida) e reduz-se o excedente do produtor (ou seja, a diferença entre o que se recebe e o que se estava disposto a receber, porque o custo marginal é inferior ao preço até à última unidade produzida). Tratando-se de um bem ou serviço exportado, a perda para os produtores é maior que o ganho para os consumidores, pelo que no mercado português haverá uma perda líquida de bem-estar social (medida que corresponde à soma dos excedentes e é utilizada para avaliar o impacto económico).

Depois há ainda os custos “administrativos”  associados. Por exemplo, custos com o cumprimento de controle nas fronteiras, com a fiscalização das trocas comerciais, com o tempo necessário ao preenchimento de formulários, com a obtenção de alvarás de comercialização, com declarações de enquadramento em regimes fiscais específicos e com outras formalidades aduaneiras. Ora, todos estes custos e valores poderiam (e deveriam) estar, em alternativa, consagrados a atividades produtivas.

Além disso, o protecionismo faz com que as trocas internacionais sejam menos desejáveis, uma vez que, como referido acima, diminui o potencial de importações, mas também de exportações. Trata-se sempre de um passo suplementar na direção da autarcia e, por afetar preços relativos, também em Portugal acaba por afetar estruturas produtivas e provocar transferências forçadas de ativos ou recursos. Em suma, há um bloqueio à especialização de acordo com o princípio das vantagens comparativas, que se traduz em menor eficiência económica e, enquanto tal, em perda de bem-estar para a sociedade.

Acresce que o protecionismo limita a concorrência internacional que é benéfica para consumidores e para produtores que utilizam bens intermédios importados e/ou são desafiados por novos concorrentes. Ao limitar a concorrência, afeta a criação de conhecimento, a descoberta de novos produtos e processos, a especialização em determinadas cadeias produtivas e segmentos de mercado, a participação na cadeia de negócios e, por isso, muitos empreendedores deixarão de mobilizar esforços na adaptação da estrutura produtiva e organizacional.

Além disso, quanto menor for a concorrência e maiores as barreiras à entrada, maior o risco de corrupção e menor a probabilidade de empresas menos eficientes perderem espaço, de ajustamento nos mercados de trabalho, de florescimento de novas empresas, de pressão sobre a remuneração dos fatores (o que inclui os salários), de aumento da equidade na repartição da riqueza (contribuindo-se assim para o aumento das desigualdades), e de redução dos custos operacionais e de transação por causa das economias locais, setoriais e organizacionais de escala ou de inovações. Adicionalmente, quanto maior o protecionismo, menor é a probabilidade de que, no longo prazo, aumente a diversificação do tecido produtivo, de que os processos de inovação dos bens e serviços sejam acelerados, e de crescimento da produtividade e da acumulação de capital (humano) na economia.

Em suma, o protecionismo promove, por definição, a incorreta afetação de recursos à escala mundial e à escala nacional, estimulando o desperdício de recursos e a perda global de bem-estar social. Ao limitar a concorrência, a escala de produção, e a quantidade e qualidade do investimento penaliza, também, o crescimento económico.

Óscar Afonso – Presidente do OBEGEF – Observatório de Economia e Gestão de Fraude