Tiago Neves Sequeira, Visão online

Aprender a ética pela vivência quotidiana do ser universitário e não pelo que lhe é dito ou até pelos castigos que lhe são aplicados.

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Parece que o país acorda lenta e estremunhadamente para o problema da corrupção no ensino e concretamente no ensino superior. Não precisamos relembrar os casos de Universidades privadas fechadas por casos de associação criminosa ou burla do inicio deste século.

João Miguel Tavares veio no Público (17 de Março) denunciar a ingerência de interesses políticos partidários em resultados académicos numa outra Universidade privada. A propósito de uma de muitas comissões de ética e respetivas iniciativas que promovem as Universidades Portuguesas, vem um conhecido universitário, usualmente atento ao que vai mal no reino da Universidade, relembrar num dos seus emails que a corrupção e a ética nas Universidades começa na sua forma de funcionamento, não entre estudantes, mas primeiramente entre os seus gestores, docentes e não docentes.

Andam as universidades entretidas a motivar os seus estudantes para o comportamento ético e o combate à fraude (vulgarmente designado plágio) nomeadamente nos trabalhos académicos, testes e exames como se há muito cada um dos docentes universitários (estou certo que a sua maioria) não sensibilizasse (disciplinasse, corrigisse e castigasse) os comportamentos menos éticos no que ao plágio académico diz respeito, fazendo depender as penas aplicadas (obviamente) da sua gravidade, intencionalidade e consequências.

De facto, vai mal a Universidade Portuguesa se centra as suas preocupações no plágio dos estudantes quando não consegue que a sua estrutura dê o exemplo necessário a quem tem que aprender a ética pela vivência quotidiana do ser universitário e não pelo que lhe é dito ou até pelos castigos que lhe são aplicados. Como pode a Universidade dar o exemplo aos estudantes de comportamento ético se ela própria se fecha sobre si, usando lógicas monásticas e feudais de reprodução de comportamentos, fidelidades e votos? Em vez de priviligiar a diversidade e a mobilidade, a Universidade mata, como o escorpião, a sua essência, o ser universal! Pensando proteger-se da sociedade a quem deve servir, centra-se nela, criando uma barreira entre os que estão no sistema e dele se servem e os que estão fora. Cumprindo o preceito da lei, cria pretensos regulamentos de avaliação de docentes, a quem confere nota máxima, sem distinção. Tudo isto, muitas das vezes, independentemente do seu mérito. A este propósito escreve também eloquentemente António Delgado num recente artigo no Público (21 de Março de 2018).

A legislação que rege a Universidade em Portugal enformada pelo Regimento Jurídico das Instituições do Ensino Superior e pelos Estatutos das Carreiras Docentes Politécnica/Universitária refletiu um avanço significativo legado do Ministro Mariano Gago. Infelizmente a prática levou a que a boa lei fosse, sob o salvo-conduto da ‘autonomia universitária’ mal aplicada num número de casos muito mais elevado que o aceitável numa democracia madura.

Pequenas alterações no texto da lei como: (i) a proibição de contratação dos próprios doutorados, (ii) a dissociação entre a contratação para entrada na carreira e a progressão na mesma, (iii) a acreditação dos professores universitários para diferentes atividades de acordo com critérios claros, transparentes e universais dentro de cada área científica e não dependentes da categoria na carreira – como ocorre em países tão próximos do nosso como a vizinha Espanha -- (iv) a dissociação da eleição do Reitor (e dos Presidentes das Faculdades) das dos respetivos Conselhos Gerais seriam apenas algumas das possiveis (e simples) alterações que poderiam melhorar a transparência dos processos dentro das instituições de ensino superior, o seu auto-governo e a prestação de contas que deve à sociedade. Em consequência, poderia esta instituição dar o exemplo que lhe compete a uma sociedade que queremos mais aberta, transparente e plural. Esperemos que a opinião pública em geral – e também muitos docentes universitários que continuam a ser cidadãos e académicos de livre pensamento e opinião --, acorde (e não permaneça estremunhada) para um fenómeno que necessita atenção.

E só necessita atenção urgente e redobrada porquanto ele é o multiplicador de boas ou más práticas futuras do nosso país. A melhoria dos índices de transparência e de diminuição de corrupção do país dependem crucialmente do exemplo que a instituição universitária dá hoje aos jovens que forma.