Jorge Fonseca de Almeida, Negócios

Sem planeamento, sem previsão, sem precaução, o ajustamento é sempre desnecessariamente caótico, doloroso, anárquico e de custos sociais e financeiros mais elevados. Porque insistimos em erros básicos?

Num país em que o salário mínimo nacional que abrange uma franja de cerca de 20% dos trabalhadores se encontra fixado nos 580€, num país em que mais de 80% das pensões são inferiores ao salário mínimo, num país onde o rendimento médio se fixa abaixo dos 1.000€, as rendas em Lisboa para casas de pequena dimensão (50 a 60 m2) ascendem a valores superiores a 1.100€.

A subida das rendas na capital por seu lado levou a uma alta nos concelhos vizinhos. Assim, e sempre para apartamentos das mesmas dimensões reduzidas, vemos que as rendas são de 900€ em Cascais, 850€ em Oeiras, 730€ em Loures, 700€ na Amadora, 650€ em Odivelas e Sintra. Valores sempre acima do salário mínimo e das pensões.

Esta subida das rendas poderia levar quem não as pode suportar a optar pela compra. Infelizmente, os reformados pela sua idade não têm essa alternativa e os titulares de rendimentos reduzidos também não.
E, para complicar mas logicamente, o preço de venda de apartamentos também está em forte alta, atingindo valores de 2.100€ por m2 em Lisboa, 1.500€/m2 na Amadora e 1.140/m2 em Sintra.
Não é preciso ser grande adivinho para antecipar, se nada for feito, uma crise imobiliária de grande escala capaz de pôr em perigo a recuperação do sistema financeiro.
Nestas condições, a entrada em vigor da Lei Cristas significa um forte incentivo ao despejo de antigos moradores, que recebendo magras indemnizações não conseguem a compra ou o arrendamento duradoiro noutras paragens
Acresce uma explosão desregulada do negócio do arrendamento local que está a descaracterizar zonas inteiras da cidade, matando a prazo o próprio negócio turístico.
Lisboa despovoa-se de portugueses e densifica-se de turistas e reformados estrangeiros, os concelhos limítrofes num primeiro momento recebem os desalojados para de seguida experimentarem uma crise habitacional quando se esgotar o dinheiro das indemnizações que estão a suportar parcialmente o aumento das rendas.
Os idosos despejados enchem lares privados geridos por IPSS fortemente subsidiadas pelo Estado, pagando muito mais do que hoje suporta com as pensões dessas pessoas.
O desenraizamento e a falta de qualidade destes equipamentos podem vir a ser responsáveis por muitas mortes prematuras.
Os mais jovens atirados para periferias cada vez mais longínquas colocam pressão sobre os sistemas rodoviários, de transportes e ambientais.
Eis o resultado da desregulação não planeada da Lei das Rendas e do mercado imobiliário: mortes prematuras, sofrimento dos mais desfavorecidos, pressão sobre as infraestruturas e o ambiente, despovoamento de portugueses da sua capital e sua entrega aos estrangeiros, residentes e turistas.
O que fazer? No imediato, revogar ou suspender a Lei das Rendas, estancando os despejos de idosos e moradores pobres, modificar a Lei da Renda Apoiada, alargando os valores e os abrangidos para que nem senhorios nem moradores sejam lesados, moderar e regular a atividade do arrendamento local de fins turísticos.
Num segundo momento, é preciso um forte plano de construção, pública e privada, de habitação na Área Metropolitana de Lisboa que permita responder à libertação de espaços para o turismo, ao envelhecimento da população, à reposição de casas degradadas, ao uso menos intensivo dos transportes individuais e ao desejável aumento da população.
Sem planeamento, sem previsão, sem precaução, o ajustamento é sempre desnecessariamente caótico, doloroso, anárquico e de custos sociais e financeiros mais elevados. Porque insistimos em erros básicos?
Economista
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico