Mário Tavares da Silva, Visão online

Impõe-se hoje uma visão holística nas organizações públicas, capaz de recobrir toda a cadeia de geração de valor, como uma das estratégias mais eficazes de prevenção e combate aos fenómenos de natureza corruptiva.

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As organizações públicas já não são o que eram. A complexidade e a fina tessitura dos novos paradigmas em que a todo o tempo se movem, reclamam delas que se reiventem no quadro de uma lógica pluridimensional e transdisciplinar. E isto é tanto mais verdade porquanto o risco de corrupção emergir hoje, potencialmente, em qualquer ponto da cadeia de valor dessas entidades, sendo que a perceção desse simples facto faz impender sobre os diferentes líderes e decisores que aí atuam, a necessidade de antecipar ocorrências disfuncionais e corruptivas, lá onde outros apenas vislumbram meras atuações sem refração criminógena. Neste contexto, os decisores das entidades devem refletir e delinear estratégias de acompanhamento permanente e sistemático da organização como um todo, envolvendo uma monitorização permanente de todas as fases de atividade da organização e de todos os que nelas intervém, procurando por essa via, e num quadro de adequada segregação de funções, desenvolver eficazmente um processo de identificação atempada dos riscos e conceber uma resposta adequada à sua mitigação. Nada pode, pois, ser descurado e tudo, em regra, deve ser ponderado, ainda que nos situemos no plano dos pequenos detalhes.

Na verdade, e como bem todos sabemos, os problemas da corrupção do setor público começam, em muitas das situações, nos pequenos detalhes. No requerimento que não “quer andar”, na fotocópia da planta da casa que não é emitida para efeitos de iniciar um procedimento de licenciamento de obra, na guia para pagamento de taxas que não é passada, na reunião com o técnico que é sistematicamente adiada, na consulta do processo no departamento de urbanismo do município que já leva seis volumes mas que, por razões que raramente se alcançam, apenas o segundo e o último estão disponíveis, no processo de loteamento a que faltam folhas ou em que algumas delas estão rasuradas e isto, claro está, só para dar alguns exemplos.

Servem estes pequenos exemplos para concluir que a estratégia de valorização dos pequenos detalhes e a sua adoção pelos decisores como um indicador fiável na deteção de comportamentos desviantes por parte dos intervenientes na cadeia de valor das entidades, pode e deve pois constituir uma adequada forma de antecipar males maiores, olhando-se para a organização como um todo e acompanhando a integralidade da sua atividade desde o momento em que nasce uma determinada solicitação de serviços por parte de um terceiro e o momento em que a organização inicia o processo de resposta conducente a satisfazer a mesma. Impõe-se hoje, por conseguinte, uma visão holística nas organizações públicas, capaz de recobrir toda a cadeia de geração de valor, como uma das estratégias mais eficazes de prevenção e combate aos fenómenos de natureza corruptiva.

Descurar o detalhe ou negligenciar a avaliação e controlo de qualquer umas das fases da cadeia de valor ou de prestação dos serviços pela entidade, é criar irremediavelmente condições à emergência de fenómenos de natureza corruptiva. Cabe, por conseguinte, aos decisores e líderes das entidades fazer esse acompanhamento do berço à sepultura, monitorando e acompanhando, pela adoção das medidas adequadas, todo o perímetro de atuação da entidade e dos seus colaboradores e assegurando, por esta via, o controlo e a mitigação de comportamentos desviantes e potencialmente corruptivos. Também aqui a sabedoria popular nos pode ajudar pois, como se usa dizer,… o Diabo está nos detalhes!