Paulo Vasconcelos, Visão online

 A tecnologia “blockchain” não é apenas base de todas as criptomoedas mas encontra ampla aplicação no setor financeiro, podendo dar lugar a um sistema mais transparente...

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Tem-se falado muito ultimamente em criptomoedas e embora estas estejam a atingir valores muito elevados, é convicção de muitos que são uma bolha que rebentará mais cedo ou mais tarde. Mas o importante aqui não são as criptomoedas em si, até porque atendendo à sua valorização em tão curto espaço de tempo não parecem ser uma forma fiável de guardar valor, mas antes o motor que está por detrás delas, o chamado “blockchain” (encadeamento de blocos). Tal como a Google é o que é hoje atendendo ao seu motor de busca, o “pagerank”, também o “blockchain” pode ser a disrupção tecnológica que o sistema financeiro precisa para se credibilizar, funcionando com custos mais baixos e em transparência.

1. As criptomoedas assentam num sistema tecnológico sem existência de uma autoridade central para controlar a moeda e as suas transações. São virtuais, podem ser operadas independentemente de uma instituição centralizadora e são seguras pois as transações são garantidas com uma rede de código aberto usando protocolos cifrados.

Por seu lado o dinheiro convencional é tangível, regulado por um sistema central, por exemplo o BCE (Banco central Europeu) na União Europeia e o FED (Reserva Federal dos Estados Unidos) nos Estados Unidos, e a segurança é garantida por protocolos. Esta forma centralizadora cria problemas e custos elevados de transação. Basicamente, a moeda pode ser criada por produção do chamado papel-moeda (ou do metal), por débitos e empréstimos ou ainda por políticas governamentais. E, sim, cada vez que um banco empresta dinheiro, é moeda que está a ser criada. É portanto uma construção humana para facilitar transações mas que permite que alguns ganhem muito dinheiro e aumentem o seu poder ao cobrar por estas operações. Se determinados acordos não estão estabelecidos entre instituições bancárias, pode o custo ser superior à quantia a pagar (já me aconteceu!). Além de que é um processo caro também é lento numa época onde milhares de transações se efetuam a cada segundo (ou frações deste).

As criptomoedas são livres, apenas influenciadas pela lei da oferta e procura, e não são manobras político-económicas que ditam o seu valor, como a deflação e a inflação. Há no entanto questões delicadas: o processo de mineração com os seus crescentes consumos energéticos e a quantidade de moeda em circulação. Não se pretende analisar as centenas de criptomoedas existentes. Apenas ilustrar que estão presentes, e em desenvolvimento.

2. Na base das criptomoedas está o “blockchain”. É uma tecnologia poderosa e segura que permite ter registos fiáveis e contabilizáveis. As informações digitais são distribuídas numa espécie de livro de registos descentralizado onde todas as operações realizadas são guardadas sem possibilidade de serem modificadas ou alteradas por nenhum membro participante.

Esta tecnologia está e poderá vir a ser usada em muitas outras situações. Já há transferências entre os dois sistemas: tradicional centralizado e inovador descentralizado. Há bolsas de derivados que apostam no valor de algumas destas moedas, através de contratos de futuros, onde investidores se comprometem a adquirir ou a vender certa quantidade destas moedas em data estabelecida no futuro. Há governos a impedir a transação de moedas virtuais, como o Chinês, mas há outros, como o Japonês, que pretendem regular as criptomoedas exatamente para aproveitar o melhor que elas têm para oferecer: evitar fraude com divisas digitais. A UE quer regular as criptomoedas e a França já anunciou que quer o G20 a discutir esta mesma regulamentação. O BCE está a trabalhar num sistema que permita pagamentos e transferências bancárias de forma rápida e a custos muito reduzidos, em consequência das criptomoedas.

Há, claro, quem se aproveite destes mecanismos, sobretudo do anonimato garantido pelo “blockchain”, para lavagem de dinheiro. Basicamente querem os governos controlar o processo, nomeadamente quebrando o anonimato das operações. Esta perda de anonimato poderá afastar defraudadores que se tentam aproveitar do sistema. Mas na verdade, as criptomoedas são menos anónimas que o dinheiro físico...

3. A tecnologia “blockchain” não é apenas base de todas as criptomoedas mas encontra ampla aplicação no setor financeiro, podendo dar lugar a um sistema mais transparente. São exemplo os contratos inteligentes: aplicativos que são executados exatamente como programado sem possibilidade de tempo de inatividade, censura, fraude ou interferência de terceiros. O programado é cumprido, isto é, o contrato é honrado necessariamente por ambas as partes.

É esta tecnologia que estabelece confiança num sistema distribuído, sem necessidade de ter quem o controle de forma centralizada. Neste sistema de armazenamento distribuído ninguém pode alterar seja o que for sem ser detetado. Em tempos em que se perdeu toda a vergonha, urge garantir a responsabilização.

O “blockchain” é um mecanismo de confiança distribuído, onde diversas partes mantêm um registo das transações e todas as partes podem verificar a ordem e os horários das transações. Quando um novo registo é inserido na “blockchain”, há um “hash” calculado e transmitido para cada parte interessada, não sendo necessário que todas as partes mantenham uma cópia do histórico completo da transação. Um “hash” pode ser idealizado como uma versão encriptada de uma palavra original a partir da qual é impossível derivar essa palavra original. Porque todos sabem o último “hash”, qualquer um pode verificar que os dados não foram alterados pois é impossível alterar sem obter um “hash” diferente e portanto inválido.

4. Só o tempo dirá se as criptomoedas e particularmente a tecnologia de encadeamento de blocos vão vingar e interpretar a mudança.

Parece que quase todos apostam que sim, até pela desconfiança que o atual sistema financeiro nos merece. Uma solução, e só pode ser tecnológica, terá que surgir por forma a combater a opacidade no sistema financeiro, pois não será quem tem o poder e o pretende perpetuar que irá fazer algo para acabar com estes privilégios.

Esperemos que a mudança seja para melhorar o sistema financeiro e logo para tornar o mundo melhor.