Aurora Teixeira, Visão online

 A ‘fraternidade’ na política partidária portuguesa atingiu o seu auge nas vésperas do Natal de 2017 e foi chocantemente enternecedora.

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“O que é que as tragicomédias da Raríssimas, da ‘sabotagem’ à Venezuela e das alterações à lei do financiamento dos partidos têm em comum?”

Resposta: “Políticos (e) Porcos”

 

Alguns políticos, quais rolhas submersas em água, emergem logo à tona quando indícios de corrupção, peculato, recebimento indevido de vantagem, ou de atividades várias de legalidade duvidosa rompem.

Acusada de peculato e recebimento indevido de vantagem, a outrora politicamente bem conectada ex-presidente da Raríssimas, já não precisará de ‘fardas’ Karen Millen para socializar com raínhas ou políticos bem posicionados nos aparelhos partidários, especialmente os dotados de uma incomum elevada ‘moral’ laboral: os tais que se demitem quais ‘donzelas ofendidas’ por "grave violação da privacidade" e que defendem que o trabalho prestado deve ser (bem) remunerado nem que para tal seja necessário desviar subsídios do Estado destinados ao apoio a crianças com doenças raras.

Foi com pesar que os portugueses foram informados que não será “por umas gambas” que a ex-presidente da Raríssimas “irá fugir do país”, até porque é “alérgica” ao bicho. Felizmente, nem tudo são más notícias para ela... a alegada ‘sabotagem’ de Portugal à Venezuela pode-lhe trazer um benefício acrescido: há, neste momento, em Portugal, pernil de porco à fartazana que dará para a alimentar sem qualquer risco de alergia. Rejubilemos, vai-se um político mas fica o (pernil do) porco!

Os portugueses ficaram ainda a saber que a empresa que vendeu o pernil de porco ao governo de Nicolás Maduro é uma ‘empresa gazela’ - empresa jovem (nascida em 2010), com elevados, mas suspeitos (segundo o jornal ECO), ritmos de crescimento no volume de negócios (mais de 40%, só em 2016). Adicionalmente, e tal como a ex-presidente da Raríssimas, esta empresa tem ligações ‘intímas’ com proeminentes figuras políticas. Fazem parte do seu Conselho de Administração um ex-ministro (o do ‘jamais’) do executivo do infamous José Sócrates e um ex-chefe de gabinete no Ministério da Defesa do irrevogável Paulo Portas (posteriormente nomeado administrador da AICEP - Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal). Trata-se portanto de (mais) um caso paradigmático da profunda união, quiçá fraternidade, entre os diversos partidos portugueses na ‘gestão’ da coisa privada (?)/pública (?).

A ‘fraternidade’ na política partidária portuguesa atingiu o seu auge nas vésperas do Natal de 2017 e foi chocantemente enternecedora. Num “quadro de consenso alargado”, PSD, PS, PCP, BE e PEV, uniram-se, pela ‘calada’, para “resolve[r] uns aos outros os problemas de cada um” (apud Margarida Salema, PSD). De uma assentada, o Parlamento aprovou (em 21 de dezembro de 2017) alterações à lei do financiamento dos partidos que permitem que estes deixem de ter um valor máximo para os fundos angariados e passem a poder pedir a devolução do IVA de todas as duas despesas.

Como é óbvio para todos os portugueses (exceto para os deputados em causa), tais alterações carecem de uma discussão mais ampla e aberta à sociedade, que evite decisões tomadas ‘clandestinamente’ por parte de quem tem (muitos) interesses na questão (“Nemo iudex in causa sua”, i.e., “Ninguém deve ser juiz em causa própria”).

Embora se afirme que “[este] governo não tem o poder de sabotar pernil” (apud Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, JN), não havia necessidade do ano de 2017 terminar de forma tão vexatória para os políticos (e) porcos!