Mariana Fontes da Costa, Visão online

O semianonimato típico das transações realizadas através da internet, associado ao recurso crescente a plataformas de economia colaborativa, faz perigar uma das mais importantes conquistas civilizacionais do século XX: a proteção do consumidor enquanto tal.

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Até muito recentemente, as sociedades ocidentais foram marcadas por uma acentuada profissionalização das relações comerciais, caracterizada pela divisão do mercado nos segmentos B2B (business-to-business) e B2C (business-to-consumer).

Se o setor profissional-para-consumidor marcou predominantemente as preocupações do legislador na segunda metade do século XX - com a criação de um conjunto de normas jurídicas especificamente vocacionadas para a proteção deste último -, o século XXI parece assistir ao recrudescimento das relações económicas estabelecidas entre pares (peer-to-peer), com a afirmação crescente da designada “economia colaborativa”, ou “economia de partilha”.

Muito se tem escrito para louvar esta nova tendência económica, invocando-se a sua natureza inclusiva, ecológica e promotora de sustentabilidade. Nas palavras da Comissão Europeia, na Agenda Europeia para a Economia Colaborativa, as plataformas colaborativas “(…) na medida em que possibilitam a oferta de serviços pelos cidadãos, são também promotoras de novas oportunidades de emprego, de regimes de trabalho flexíveis e de novas fontes de rendimento. Do ponto de vista dos consumidores, a economia colaborativa pode proporcionar vantagens graças a novos serviços, maior oferta e preços mais baixos. Pode também incentivar a partilha de ativos e uma utilização mais eficiente dos recursos, contribuindo assim para a estratégia da UE para o desenvolvimento sustentável e para a transição para a economia circular”.

São inegáveis as vantagens da economia colaborativa nas suas vertentes de partilha e aproveitamento dos bens subutilizados (a designada “idle capacity”). No entanto, a sua promoção com recurso a plataformas informáticas e o semianonimato típico das transações realizadas através da internet produzem um efeito pernicioso, que põe em risco a importante conquista civilizacional do século XX ao nível da proteção do consumidor enquanto tal. É que em Portugal, à semelhança de muitos outros países, inúmeras regras de direito do consumo fazem depender a sua aplicação da natureza profissional da contraparte, a qual é fortemente obscurecida em muitas das mais famosas plataformas de economia colaborativa atualmente.

Exemplo fortemente ilustrativo da relevância do fenómeno que aqui se escreve foi encontrado pelo Gabinete do Attorney General de Nova Iorque, em investigação levada a cabo entre 1 de janeiro de 2010 e 2 de junho de 2014 (disponível online em https://ag.ny.gov/pdfs/AIRBNB%20REPORT.pdf). De acordo com esta investigação, apenas 6% dos anfitriões registados no Airbnb em Nova Iorque eram classificados como anfitriões comerciais. Porém, esta pequena minoria de anfitriões profissionais era responsável por 36% de todas as reservas, recebendo 37% de todos os ganhos. Mais, o anfitrião com maior volume de transações nesta plataforma controlava 272 unidades de alojamento e obteve receitas de 6,8 milhões de dólares. É caso para afirmar que na partilha é que está o ganho!