José Ferreira, Visão online

O que se exige, radica na mais elementar forma de escrutínio, o saber se quem nos representa merece ou não a confiança que lhe foi depositada.

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Já houve em tempos quem tentasse, neste paraíso à beira mar plantado, fazer promulgar lei que penalizasse o enriquecimento ilícito.

Visionário dirão uns, atrevido pensarão outros, insensato alvitrarão alguns, perigoso cogitarão alguns políticos, honesto, afirmo eu.

Relembrando apenas, o primeiro artigo de uma das propostas previa que “quem por si ou por interposta pessoa singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão até três anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal”.

No n.º 1 do artigo 2.º da mesma proposta, diz-se que caso o culpado seja “titular de cargo político ou de alto cargo público e que durante o período de exercício de funções públicas ou nos três anos seguintes” tenha enriquecido ilicitamente, “é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos”, ou de “1 a 8 anos”, caso os montantes ou bens em causa sejam superiores a “350 salários mínimos mensais”.

É caso para perguntar, será este o artigo que tanto assusta a classe política portuguesa?

Depois de várias tentativas de criminalização, por muito que nos custe admitir, a conclusão é óbvia: só por muita pouca vontade (principalmente política) não se aprovou ainda nenhuma lei que criminalize o enriquecimento ilícito no nosso país.

Mas afinal de que tem tanto receio a classe política portuguesa?

A ideia que transparece é que estamos na presença de uma espécie de organização mafiosa, que se auto alimenta, sustenta e protege sistemática e ciclicamente.

Parece que, sob um manto de (i)refutável (i)legalidade, se tenta proteger, a todo o custo, um feudo restrito apenas a uma classe, que tem privilégios de não prestar contas perante o comum dos mortais que, ironicamente, lhe conferiu tal poder, mandatando-a para o representar, dirigir e proteger.

Apenas se exige à classe política alguma transparência social e económica, é que ao contrário da mulher de César, não basta parecer sério, é preciso sê-lo de facto, demonstrando-o sem pudor, sem falsos moralismos ou escudando-se na alegada violação de direitos. São todos tão legalistas que alguns até se esquecem de entregar a declaração de rendimentos e património no Tribunal Constitucional.

Nada tenho contra quem enriquece, aliás, exorto todos ao empreendedorismo e à criação de riqueza tanto social como económica. Custa-me é ver que, uns após outros (com algumas boas exceções), os políticos se vão servindo dos cargos e funções para “orientarem a vidinha”, esquecendo demasiadas vezes a causa pública.

Mais grave ainda, é pensarem e fazerem transparecer, que aqueles que exigem que prestem contas à sociedade, no fundo às pessoas que neles votaram, são uma espécie de coscuvilheiros, que apenas querem conhecer a vida alheia, atribuindo-se uma carga demasiado negativa, direi mesmo pejorativa, a esta intenção.

O que se exige, radica na mais elementar forma de escrutínio, o saber se quem nos representa merece ou não a confiança que lhe foi depositada.

Dirão os arautos da classe política, sustentando-se numa lógica de pseudo garantia dos Direitos Liberdades e Garantias, que já temos em Portugal lei que criminaliza o recebimento indevido de vantagem. Pois temos, mas como diz a publicidade, “não é a mesma coisa”.