Tiago Miguel Marcos, Visão online,

Não será a resistência de um cidadão, a cometer atos de fraude, tão frágil quanto respetiva falta de motivação para os cometer?
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Existem inúmeros espaços informativos nos meios de comunicação social que são dedicados à divulgação de notícias e de opiniões (de natureza completamente divergente, mas geralmente confundida) e que nos bombardeiam frequentemente com temas relacionados com eventos/ suspeitas de fraude, corrupção, suborno, ou branqueamento de capitais. Como tal, importa refletir sobre o significado destas comunicações para a sociedade e para cada um de nós… Assim:

  • Será a fraude uma realidade generalizada, ou serão conteúdos informativos desta natureza uma mera utilização comercial da desgraça alheia, já que é um tema que “vende”?
  • À luz das notícias/ opiniões divulgadas, será o comum dos cidadãos capaz de cometer fraude?

Para respondermos à primeira questão podemos olhar para indicadores disponibilizados por instituições de referência para temas relacionados com fraude, tal como:

  • Em Portugal, o Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF) estimou que, em 2014/ 2015, a economia nacional não registada já ascendia a mais de 27% da riqueza produzida anualmente no país (estimativa que revela um crescimento ininterrupto desde 1970). A relevância deste índice para a presente crónica deve-se à próxima relação verificável entre a economia não registada e a fraude fiscal/ das contribuições para a Segurança Social e a atividades ilícitas e à correspondente necessidade de branquear os capitais obtidos ilegalmente;
  • De igual modo, a Association of Certified Fraud Examiners (ACFE) referenciou, na publicação Report to the Nations 2016, que foi estimado que internacionalmente as empresas perdem, em média, cerca de 5% das suas receitas para custos associados a eventos de fraude (que incluem, para além do custo dos eventos de fraude em si, custos legais, regulamentares, ou reputacionais, entre outros).

Assim, julgo ser fácil percecionarmos que estas notícias/ opiniões divulgadas não podem ser levemente encaradas como um mero aproveitamento comercial de situações excecionais, pelos meios de comunicação social. De facto, devem ser visualizadas como retratos de uma infeliz realidade, frequente e dimensionada, para a qual não existe ainda um clima de alerta em sociedade.

Logo, e após esta tentativa de desmistificar o mito de que a fraude não é uma realidade relevante para a sociedade, proponho olharmos para a segunda questão e tema da presente crónica, com vista a procurar uma possível justificação para a referida frequência e dimensão da fraude: Será o comum dos cidadãos capaz de cometer fraude?

Como meio de resposta a esta questão, proponho realizarmos algumas reflexões exemplificativas, com base na respeitado modelo do Triângulo da Fraude, da autoria de Donald Cressey, e nos respetivos pilares – pressão, racionalização e oportunidade:

  • Talvez o comum dos cidadãos, numa circunstância natural, não esteja disposto a roubar…Mas, e se este cidadão se encontrar numa situação de sobre-endividamento, ou se não conseguir pagar as prestações do seu crédito habitação, poderá inconscientemente vir a utilizar este fator como motivação/ racional para justificar o roubo de dinheiro/ valores?Ou, numa situação extrema, se a família deste cidadão estiver a passar fome, poderá este inconscientemente vir a utilizar este dado como motivação/ racional para justificar um roubo de comida?
  • Talvez o comum dos cidadãos, numa circunstância natural, não se reveja a obter um livro, um CD, ou um DVD de forma ilícita…Mas este mesmo cidadão, (talvez) motivado pela “doença” moderna geralmente denominada de “FOMO - Fear of Missing Out” (ou, em tradução livre, o medo de não estar atualizado), poderá vir a racionalizar o ato de realizar downloads ilegais dos mesmos conteúdos, em formato digital, que nunca admitiria obter de forma ilícita em formato físico?
  • Talvez o comum dos cidadãos, numa circunstância natural, não admita realizar fraude fiscal…Mas este mesmo cidadão, em especial quando compra bens de valor elevado, poderá vir a sentir-se motivado a incentivar o respetivo fornecedor a indevidamente não declarar/ liquidar impostos, pela não emissão de uma fatura, com o objetivo de pagar um valor inferior pelos bens que está a comprar? Nesta situação, poderá o cidadão vir a racionalizar esta ação com a ideia de que “já paga demasiados impostos”?
  • Talvez o comum dos cidadãos, numa circunstância natural, não realize fraude associada a apólices de seguros…Mas este cidadão, talvez motivado pela perceção de que paga em demasia pela sua apólice de seguro automóvel, poderá vir a estar disposto a simular uma avaria no automóvel para literalmente aproveitar uma “boleia” da seguradora (onde detém a sua apólice automóvel)?
  • Talvez o comum dos cidadãos, numa circunstância natural, nunca estaria disposto a beneficiar indevidamente de subsídios estatais, criticando mesmo aqueles que o fazem…Mas, este mesmo cidadão, talvez motivado pelo facto de muitos beneficiarem indevidamente destes subsídios, poderá vir a estar disposto a aproveitar a aparente falta de controlo inerente a estes subsídios, fabricando dados que lhe dariam esse direito?

Talvez muitas destas situações exemplificativas não se apliquem ao comum dos cidadãos mas, provavelmente, pelo menos uma delas já se tenha aplicado a cada um de nós… Logo, deixo a questão: Não será a resistência de um cidadão, a cometer atos de fraude, tão frágil quanto respetiva falta de motivação para os cometer (independentemente do nível de ética que cada um de nós apresenta, numa circunstância natural)? Não seremos todos nós capazes de cometer fraude quando determinadas circunstâncias se verificam?

A necessidade deste tipo de reflexões é tão relevante quanto as informações divulgadas sobre estes temas uma vez que o comum dos cidadãos, pela sua natureza humana, poderá estar disposto a resolver os seus problemas pessoais à custa de outrem. Assim, será esta perceção o elemento em falta para que a sociedade esteja preparada para começar a lidar com (e a combater) esta realidade?