André Vieira de Castro, Visão online,

A convicção pública não faz fé judicial… Armando Vara e o Constitucional
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Por razões de maniqueísmo político, ideológico e até pessoal, todos criamos convicções sobre as pessoas que nos rodeiam e delas somos capazes de fazer sumárias avaliações baseadas em pouco mais do que nada.

É próprio da condição humana e devemos cuidar para não cairmos na ligeira tentação de o fazer.

Quantos de nós têm uma forte opinião sobre Armando Vara, por exemplo? Ou José Sócrates?

Dei comigo a refletir neste assunto ao percorrer uma série de apontamentos sobre hipotéticos temas para esta coluna de opinião, em que se pretende abordar a fraude de alguma perspetiva.

E assim cheguei a Armando Vara. Consta da minha “wish list” há algum tempo. José Sócrates já por aqui passou.

Pesquisada apenas a informação disponível na internet (não tive portanto qualquer acesso aos processos), parece existir aqui um axioma generalizado:

“O Vara é culpado, resta saber se o Sistema o conseguirá apanhar!”

Claro que a nossa opinião é subjetiva. A tentação de confundir o seu percurso profissional integralmente com “jobs for the boys” é ainda assim enorme…

Frustrada a licenciatura em Filosofia, que não terminou, completou uma Pós-Graduação em Gestão Empresarial mesmo sem estar licenciado. Grau que, afinal, veio a obter 3 dias antes da sua nomeação para a administração da CGD. Nota: licenciatura em Relações Internacionais obtida na extinta Universidade Independente (onde já José Sócrates acumulara conhecimento).

Sai da CGD para assumir a Vice-Presidência do BCP, mas ainda assim (há tipos com sorte) vê o Banco Público promovê-lo ao escalão máximo de vencimento (nível 18), o que impactará a sua futura reforma. Recordar que Vara já recebe uma subvenção vitalícia de 2.000 € mensais, em função da sua carreira contributiva como deputado à Assembleia da República (em 4 legislaturas).

Suspende em 2009 as funções no BCP, mas recebe ainda assim 260 mil euros de indemnização, bem como quase 900 mil euros em 2010 (prémio de desempenho) apesar de suspenso por permanecer arguido no caso Face Oculta…

Experimentado gestor, assume o cargo de Presidente do Conselho de Administração da brasileira Camargo Correa África em final de 2010, aí permanecendo até meados de 2014.

Politicamente não tem sido menos fulgurante o percurso. Deputado, foi também candidato a Presidente da Câmara da Amadora (1991), Secretário de Estado da Administração Interna (1995/99), Ministro Adjunto do Primeiro Ministro (1999/2000) e Ministro da Juventude e Desporto em 2000.

Demite-se deste último cargo político em função da polémica sobre o financiamento da Fundação para a Prevenção e Segurança Rodoviária, que fundara enquanto Secretário de Estado e dirigida por membros da sua equipa, e que se suspeitava ser um instrumento para fugir ao controlo do Tribunal de Contas nas suas adjudicações (perto de 2 milhões de euros). Nos últimos dias do governo socialista de então, foi este processo arquivado.

Para em 2005 ser Armando Vara agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique…

Foi multado 2 vezes, em 50 e 40 mil euros, pelas autoridades de supervisão, por ter facilitado (num dos casos apondo assinatura) crédito em contas-fantasma e a vários indivíduos para aquisição de ações em processos de OPV e OPS da Galp, REN e Martifer. Pela sua função na CGD, em créditos superiores a 1 milhão de euros.

Em outubro de 2009 é constituído arguido no processo Face Oculta, sendo acusado em 2011 de 3 crimes de tráfico de influência e pedida pena de prisão de 20 anos. É condenado a 5 anos de prisão efetiva, em função do demonstrado conluio com Manuel Godinho e outros, tendo sido demonstrado o recebimento de 25 mil euros e uns… robalos (assumido por Vara). Esta pena foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, já em Abril de 2017 (o que provocará, presume-se, a perda da sua Grã-Cruz).

No entretanto, havia sido detido em Julho de 2015, ao abrigo da Operação Marquês (que investiga primariamente José Sócrates). Em causa o financiamento da CGD ao empreendimento Vale do Lobo, onde o Banco Público perdeu 100 milhões de euros. Esteve 4 meses em prisão domiciliária, tendo sido libertado com o pagamento de caução de 300 mil euros.

Decorre também ainda um processo cível contra Vara interposto por António José Morais, antigo professor de José Sócrates na Independente, que reclama uma indemnização de 160 mil euros, por ter sido demonstrado, em teste de ADN, que Vara é o pai biológico da filha que António José Morais criou como sua da relação com Ana Simões.

Armando Vara veio recentemente “reconhecer” que a conta off-shore registada em nome da filha (da “legítima”), e que lhe serviu por exemplo para pagar um novo apartamento em Lisboa, era afinal dele próprio, retirando desta forma a filha do “olho do furacão”. Portanto, há filhas e filhas…

Armando Vara recorreu ao Tribunal Constitucional da decisão do Face Oculta, que o colocará na prisão em caso de indeferimento do recurso.

Mas, independentemente do processo de convicção da culpa que o acima narrado possa provocar em cada um de nós, e do alarme social que tudo isto provoca, esse é um direito inalienável do próprio. E não podemos querer ter um sistema judicial para os nossos amigos e um para aqueles de quem criamos a convicção de que são culpados.

Assim anda o mundo…