José António Moreira, Jornal i online

Por mais voltas que dê não consigo obter uma aritmética positiva, em que os aspectos positivos das praxes que presencio suplantem os negativos

Mais um ano lectivo que se inicia. Com ele vem o ainda não resolvido caso das praxes académicas.

Tenho de começar por dizer que sou contra este tipo de actividades “lúdicas”, alicerçadas na violência psicológica, por vezes física, de um conjunto de alunos – os “doutores” – sobre um outro conjunto, mais vasto, o dos “caloiros” que entram nas universidades.

Há dias, um pai dizia-me todo contente: “a esta hora o meu filho está a ser praxado na Faculdade X”. Pensei: ou este pai não sabe o que é a praxe, ou sou eu que tenho uma visão distorcida da mesma, estando preso naquilo que de mais negativo ela tem, incapaz de ver os seus aspetos positivos. O facto é que por mais voltas que dê não consigo obter uma aritmética positiva, em que os aspectos positivos das praxes que presencio suplantem os negativos.

A sociedade, como um todo, as autoridades em particular, apesar de situações dramáticas ocorridas no passado – estou-me a lembrar dos seis jovens que morreram em dezembro de 2013, numa praxe à beira-mar –, continuam a assobiar para o lado relativamente a este problema. “Ah! São novos, precisam de se divertir depois da pressão por que passaram para entrar na universidade …”, é discurso benevolente, permissivo, quando se aborda o assunto. Mas, pergunto, não haverá formas alternativas de diversão que não passem pela existência de humilhação e subjugação do segundo grupo pelo primeiro?

Um argumento muitas vezes atirado para a discussão sobre as praxes é o facto de os “caloiros” não serem obrigados a participar nas mesmas. Errado. Pode não ser visível, mas as ditas “comissões de praxe” chegam a ter piquetes à saída das Faculdades, em dia de praxe, condicionando a saída dos alunos mais novos, depois das aulas,e ameaçando-os com a impossibilidade de participarem, futuramente, em qualquer atividade académica de promoção estudantil. Numa idade em que a preocupação dos jovens é serem aceites pelo grupo, quantos deles são suficientemente fortes para dizerem não e declinarem a participação nesse tipo de atividades? Portanto, mesmo que os “caloiros” não sejam fisicamente obrigados a participarem na praxe, são-no psicologicamente. Não é isto uma forma de violência? Porquê, então, tanta benevolência da parte da sociedade relativamente a estas atividades, quando (felizmente) é tão acérrima oponente de todo o tipo de violência de um ser humano sobre outro?

Às vezes ponho-me a pensar como é que reagiríamos, socialmente, se cada vez que alguém mudasse de empresa, fosse “praxado”, à chegada, na nova organização e emprego, por um grupo de energúmenos (é o termo adequado), sob o pretexto de doutrinarem o(a) recém-chegado(a) nas regras, tradições e cultura da organização. Cairia, certamente, o Carmo e a Trindade, e a sociedade, como um todo, mover-se-ia contra um tipo de violência inaceitável numa sociedade evoluída. A pergunta volta a surgir: porquê, então, a permissividade que usa para com o que se continua a passar nas instituições de ensino superior portuguesas?

Responda quem puder. No futuro, ninguém diga que não viu ou não sabia.