Tiago Marcos, Jornal i online
Bastará passear nas ruas de grande parte das nossas cidades, antes da eleição autárquica a ocorrer no presente ano… e ver a desenfreada necessidade de apresentar obras por parte dos (re)candidatos eleitorais
A democracia é, sem dúvida, o mais justo e representativo regime político que conhecemos. Por sua vez, as eleições democráticas são o pináculo dos regimes democráticos, o momento em que uma população exerce, de livre vontade, o seu direito e dever de eleger, por sufrágio universal, os seus representantes executivos e legislativos para cada ciclo eleitoral.
Não obstante, e tendo por base os anos de democracia que Portugal já vivenciou, importa que nos questionemos… Porque são os atos eleitorais e pré-eleitorais tão pouco éticos?
Na presente crónica, não me refiro a eventos de fraude que possam ocorrernos atos eleitorais em si, cuja veracidade énaturalmente controlada por instâncias independentes, tanto na constituição das listas de candidatos e respetiva recolha de assinaturas, como no exercício dos direitos de voto dos cidadãos, ou na contagem dos referidos votos.
Tão pouco procuro debater a irrealista materialidade das subvenções que os candidatos eleitorais e respetivos partidos políticos obtêm do erário público, de acordo com o resultado de cada eleição, apesar do obsceno valor utilizado para financiar material de marketing com utilidade e capacidade de informarduvidosas, ou do facto de estas subvenções serem genericamente apreciadas e aprovadas pelos seus beneficiários.
Nem sequer procuro focar o populismo exacerbadoque se vive em clima de campanha eleitoral, através do qual a generalidade dos políticos procura a todo o custo distorcer a realidade e realizar promessas eleitorais irrealistas de modo a procurar obter mais um voto.
As situações a que me refiro sucedem antes de cada ato eleitoral, principiam muito antes da campanha pré-eleitoral e são da responsabilidade de pessoas / partidos que se recandidatam a uma determinada posição. Para a observarmos bastará, por exemplo, passear nas ruas de grande parte das nossas cidades, antes da eleição autárquica a ocorrer no presente ano… e ver a desenfreada necessidade de apresentar obras de engenharia civil por parte dos (re)candidatos eleitorais, obras que geralmente variam entre a construção ou beneficiação de rotundas, estradas, fontes, jardins e outras edificações.E porque devemos falar deste tema?
- Porque estas obras não aparentam ser planeadas ou faseadas, ao longo de cada ciclo eleitoral, parecendo frequentemente constituir um mero mecanismo de apelo à memória de curto prazo dos eleitores no momento de cada eleição.
- Considerando o aglomerado de obras em execução no último quarto dos ciclos eleitorais, não faz sentido nos questionarmos se as mesmas não são usadas com o intuito de beneficiar reeleições e não os cidadãos/ eleitores? Isto é ético?
- Porque esta aparente falta de planeamento (ou faseamento) encarece naturalmente as obras, seja pela “urgência” do que a sua conclusão representa antes do ato eleitoral, seja pelo referido aglomerado de obras no último quarto de cada ciclo eleitoral, o que implica que os fornecedores das ditas obras estejam mais ocupados, encarecendo os respetivos orçamentos.
Não faz sentido nos questionarmos se as obras poderiam ser menos dispendiosasse fossem faseadamente realizadas ao longo do ciclo eleitoral, isto se forem mesmo consideradas necessárias? É ético que assim não seja?
- Porque seria lógico que a necessidade de apresentar obra seguisse os ciclos económicos, i.e.,seria natural que esta necessidade fosse menor em momentos de menor capacidade financeira.
Não faz sentido nos questionarmos porque é que, contrariamente ao expectável, é visível que a necessidade de apresentar obra se mantém, mesmo após a recente saída de um programa de ajustamento que significou tantos sacrifícios para a sociedade Portuguesa…Isto é ético?
- Porque, no caso de os (re)candidatos eleitorais não serem reeleitos, e atendendo à avultada dívida financeira das instituições públicas portuguesas, importa refletir quem vai ser responsável por liquidar o valor das referidas obras.
Não será esta uma herança de potencial demasiado grandioso para o sucessor do candidato não reeleito, limitando (ou mesmo minando) a respetiva atuação? Isto não constituium conflito de interesses? Isto é ético? Isto não é fraude?
Ora, não é necessário que uma pessoa eleita “meta dinheiro ao bolso” para cometer atos menos éticos… ou fraude. De facto, para tal basta que deixe de fazer aquilo para que foi eleito, i.e., procurar adaptar recursos financeiros públicos limitados à priorização das necessidades ilimitadas de uma população. Nesta perspetiva, a vantagem pessoal que pode ser obtida não tem de ser (diretamente) financeira, pode ser a respetiva reeleição ou a maior facilidade de ser realizada oposição no ciclo eleitoral seguinte.
A óbvia evidência empírica sugere que este fenómeno deve ser amplamente debatido pela sociedade, bem como quantificado, de modo a ser possível perceber a verdadeira gravidade da situação de que falo. De igual modo, questiono se não devem ser definidos mecanismos reforçados de controlo preventivo deste fenómeno? Se não deverá existir uma responsabilização sobre asações das pessoas democraticamente eleitas? Se esta responsabilização não é essencial em democracia?
Deixo estas ideias com a esperança de que este debate seja realizado pela sociedade portuguesa… porque a nossa capacidade financeira não deve, nem pode, estar refém de ciclos eleitorais. Entretanto, considerando a herança que recebemos do ciclo eleitoral autárquico que agora termina, importa refletir sobre quem devemos reeleger nas próximas eleições…