Pedro Santos Moura, Visao on line,
É notório, para mim, que Portugal tem um enorme défice do que se costuma denominar 'Espaço Público'. A nossa cultura não incentiva a participação dos cidadãos 'comuns' nos vários aspetos da vida pública. E essa participação, quando acontece, é geralmente pautada pelo famoso 'bota-abaixismo' e reclamação inconsequente. No fundo, sinto que a generalidade dos portugueses vende barata a sua indignação, e na realidade quando tem as suas necessidades pessoais satisfeitas deixa de ser visto nas ruas em manifestações, passando a preferir o conforto do seu sofá novo e da sua televisão de 69 polegadas.
Esta cultura de participação reles, individualista, imediatista e interesseira cria um excelente espaço para práticas e hábito de fraude e corrupção. O abandono dos cidadãos da vida social permite que um punhado de indivíduos e organizações dominem e definam a 'realidade social', quer na esfera pública, quer na esfera privada, quer nos meios de comunicação social. E este domínio pode ser exercido sem grandes preocupações reais com responsabilização (accountability) ou transparência. Sem vigilância democrática, todos os pecados, falcatruas e negligências são não só permitidos, mas sobretudo admirados. E por pecados não falo só de fraude ou de corrupção direta: falto também da incapacidade estrutural que os portugueses em geral têm para assumirem responsabilidades ou tomarem decisões, o que leva a uma atitude criminosa de negligência e desresponsabilização, infelizmente enquistada na nossa maneira de ser.
Concluo com um pequeno exemplo desta lacuna de participação, transparência e responsabilização. Algo que sempre me fez muita confusão são os anúncios faraónicos de grandes programas e medidas, geralmente (mas não exclusivamente) por parte do Estado. "300 milhões para modernizar isto", "800 milhões para apoiar aquilo", "30 milhões para incentivar aqueloutro", etc. Grandes parangonas, enorme cobertura mediática, sorrisos e gravatas, um batalhão de assessores de imprensa, grandes visões, nobres intenções. O povão esvazia o peito, emite o grunhido da praxe ("mais uns milhões para os espertalhões") e volta-se a alhear no seu ópio rotineiro. Até aqui nada demais, provavelmente até são medidas adequadas, bem fundamentadas e alinhadas com visões estrategicamente corretas.
O problema é que a partir do seu lançamento, deixa de se ouvir falar desses 'programas e medidas'. São engavetados, colocados 'debaixo do radar' e passam ao modo 'invisível'. É quando se fala de fraude e corrupção, é nestes lugares não visíveis que estes fenómenos ganham vida. Eu, enquanto cidadão, gostava que estes 'grandes programas e medidas' fossem alvo de uma avaliação periódica anual, e divulgados publicamente. E gostava também que os meios de comunicação social se lembrassem mais frequentemente destes temas, não só no seu lançamento ou quando se descobre um qualquer escândalo, mas rotineiramente. Por exemplo, uma prática muito comum no Reino Unido e noutros países com melhor cultura de transparência e responsabilização que o nosso. E gostaria que esta avaliação e divulgação acontecesse não só para prevenir situações de fraude e corrupção, mas também para garantir que seriam melhor geridos. A incompetência e mediocridade, tão insidiosamente suportadas no nosso país, vivem mal com a claridade da transparência.
Cabe a cada um de nós não deixarmos a nossa vida comum totalmente nas mãos dos outros. Na nossa vida, em casa, com a família, com amigos, na nossa profissão, com superiores, colegas ou subordinados, com parceiros de negócio, enquanto cidadãos, não nos podemos alhear do que nos rodeia, não podemos ser cúmplices de um estilo de vida falho de responsabilização e de transparência, não podemos ser simples adubo para a incompetência, o egoísmo, a fraude a corrupção crescerem. Todos os gestos, todas as palavras, todos os instantes contam.