Oscar Afonso, Jornal i,

Ainda algumas “narrativas” na sequência da entrevista recente do ex-primeiro ministro, que, recorde-se, deixou de o ser por vontade dos portugueses, em eleições livres. Descontando as aparentes inverdades proferias na referida entrevista sublinhadas, logo a seguir, pelos jornalistas Ricardo Costa e Gomes Ferreira, na SIC notícias, há ainda a verdadeira “narrativa” decorrente de uma análise cuidada à evolução da economia portuguesa, através da qual se pode concluir que a grande culpa só pode ser atribuída ao incompetente governo que a pediu.

Com esse governo o processo de divergência real significativa com a média europeia continuou a registar-se, e a descida das taxas de juro induziu um excessivo endividamento e a um incentivo ao endividamento dos demais agentes económicos. Na sequência desse endividamento e do descontrolo orçamental, a poupança da nação reduziu-se e, conjugada com a perda de competitividade, determinou uma deterioração das contas externas.

Mais despesa pública significou puro gasto público em lugar de investimento produtivo. Esses nossos “ilustres” governantes produziram um estado estruturalmente ineficiente - sem qualidades estadistas, sabiam que ganhavam sempre o mesmo, que o financiamento estava garantido, que nunca iriam à falência e que assim teriam maior protagonismo e até podiam ganhar as eleições seguintes (recorde-se, por exemplo, os péssimos negócios para o estado, favorecendo interesses bem particulares, materializados nas SCUTs, PPPs, BPN, entre outros). Mais despesa pública acabou por representar então mais carga fiscal e, por isso, menos poupança, que acabou por ser também negativamente afectada pelo menor incentivo à poupança. A par de tudo isto, ou por tudo isto, a economia paralela não parou de crescer, motivada pelo acréscimo da evasão fiscal face ao “enorme” incentivo para operar fora da economia oficial.

É certo que a ruína na competitividade foi o resultado de causas externas (perda do instrumento taxa de câmbio, do alargamento da União Europeia a leste e da maior penetração no mercado europeu de países como a China), mas também é verdade que foi o resultado de causas internas, com o virar da economia para o mercado interno (serviços e construção civil).

O resultado foi pois um crescimento económico insignificante e, ainda por cima, fictício, baseado num conjunto de importantes desequilíbrios macroeconómicos insustentáveis no longo prazo e que, num primeiro momento, incentivaram os ataques especulativos à dívida pública portuguesa e, numa segunda fase, acabaram por obrigar à implementação de um programa de ajustamento restritivo com custos significativos no produto e no emprego. Ao contrário do que foi dito pelo ex-primeiro ministro, não foi, portanto, o chumbo de um PEC 4, um almoço de amigos (será que existiu?!) ou uma eventual intriga do Presidente da República que nos obrigou a pedir ajuda externa. Sendo assim, há alguma dúvida sobre quem foi o culpado?

Só uma última nota. Foi-nos dito nessa entrevista que, com o actual governo, o peso da dívida pública no PIB aumentou ainda mais. Claro que aumentou mais, em algum grau tinha de ser assim. Por um lado, a actividade económica oficial reduziu-se porque houve a destruição de serviços e construção civil excedentários, e porque a economia paralela não deixou de continuar a aumentar. Por outro lado, note-se que finalmente houve que registar dívidas já efectuadas (escondidas, portanto) e ainda não contabilizadas (os chamados “esqueletos no armário”).