Carlos Pimenta, Visão online,

Detectar as fraudes e condenar os defraudadores exige a exclusiva consideração da lei. Preveni-las é ir mais além e tomar também como referência a ética nas relações humanas.

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Muitas das violações da lei são detectadas por iniciativa da vítima: a queixa de lhe terem assaltado a casa, atacado na rua ou de sofrer violência doméstica. Porque a vítima pretende repor os seus direitos ou ser ressarcida dos seus prejuízos ou porque o crime é público, ou com testemunhas, a investigação criminal processa-se, sendo de esperar que leve à condenação do acto e do seu autor.

Com a fraude, porque o engano e o encobrimento fazem parte do modo de actuar, a vítima não se reconhece como tal. Uma fraude pode existir durante anos, mesmo durante uma vida, e não ser reconhecida. Não é pública, não há testemunhas e a vítima não se considera lograda.

A Association of Certified Fraud Examiners, a organização internacional dos especialistas em investigação de fraude, com sede nos EUA, é empiricamente concludente: a fraude ocupacional (conduzida por funcionários da empresa contra esta), provavelmente uma das mais «fáceis» de detectar, existe bastante tempo antes de ser descoberta, podendo em média ficar encoberta durante três anos1. E, muitas vezes, a sua descoberta não é o resultado de uma acção deliberada da empresa para detectar eventuais fraudes e há tendência (pelo cargo e competência de quem as pratica) para as maiores fraudes serem as que demoram mais a ser descobertas.

E que dizer da detecção da corrupção, da informação privilegiada, dos concursos viciados, da manipulação de operações bolsistas, do apostador desportivo onde há viciação dos resultados, do consumidor crédulo e manipulado?

Se tivermos em conta estes factos e se reconhecermos que as fraudes aparecem às vezes à luz do dia por acontecimentos inesperados (uma crise financeira ou dificuldades económicas de uma empresa, por exemplo), por acidente ou denúncia, somos elevados inequivocamente a reconhecer a validade do ditado popular: “mais vale prevenir do que remediar”.

Creio que muitos de nós concordaremos com a importância social de prevenir a fraude, de criar as condições para que ela não aconteça ou seja em menor número e com menores valores. Todas as actividades promovidas nesse sentido são bem-vindas, mas devemos estar permanentemente insatisfeitos com a prevenção existente, querermos sempre mais.

Em primeiro lugar é fundamental que cada um ponha em prática os mecanismos adequados que inibam o cometimento de fraudes. A auditoria surpresa, a inclusão da direcção das organizações no espaço fiscalizado, a criação de canais de denúncia fundamentada e de protecção ao denunciante, a análise contabilística eficiente e regular no âmbito da regulação e fiscalização, a utilização de modelos matemáticos sobre as actividades desportivas que calcule possibilidades de fraude em determinados acontecimentos, a robustez dos sistema de segurança informática são alguns exemplos, entre muitos, do que se faz em muitos casos, e do que se poderia fazer em muitos outros.

Em segundo lugar é fundamental perceber que esta actividade dos especialistas em fraude exige um trabalho de equipa capaz de superar as limitações disciplinares individuais. O especialista em contabilidade, em segurança dos sistemas informáticos, nos comportamentos humanos, na legislação nacional e internacional, nos modelos de data mining e cálculo de probabilidades, em códigos de ética como suporte a um diálogo construtivo, entre outros, devem conjugar esforços para garantir uma prevenção mais robusta.

Em terceiro lugar o referencial da detecção da fraude é a lei, mas o conteúdo da prevenção é mais amplo. Há que considerar como comportamento desviante todo aquele que viole a lei, a ética ou as boas práticas, num determinado contexto histórico e cultural. Por outras palavras, prevenir a fraude exige detectar quais são os comportamentos éticos ignorados pelo quadro legal vigente (por ignorância dos legisladores, por conflito de interesses ou por cumplicidade no cometimento de fraudes).

Prevenir a fraude é também procurar alterar a legislação e práticas vigentes. E não só na temática de uma prevenção específica, mas de todas as fraudes com que se relaciona. Frequentemente num país, mas também na organização económica, social e política mundial. Assim, por exemplo, todos os esquemas de prevenção da corrupção ou da fraude fiscal estarão enfraquecidos enquanto o combate aos paraísos fiscais não for uma realidade.

Nos aspectos anteriores centramo-nos nas possíveis preocupações dos especialistas em fraude trabalhando na sua prevenção. Contudo é preciso ir mais além.

Em quarto lugar há que perceber que há muitos comportamentos que podem criar um ambiente mais favorável à fraude, dificultadores de uma acção de prevenção. Uma inadequada política empresarial de gestão dos recursos humanos, de prepotência e exploração dos trabalhadores aumenta a probabilidade de fraude ocupacional; uma empresa de seguros que seja lenta a resolver os pagamentos devidos aos segurados e prepotente no relacionamento contratual aumenta a probabilidade destes cometerem fraudes com ela. Um Estado que não tenha a confiança dos cidadãos ou que se coloque numa situação de subserviência em relação às elites económicas escancara as possibilidades de fraude fiscal.

Em quinto lugar haveria, em várias situações, de ter uma atenção às consequências defraudadoras de certas medidas, como acontece já em relação ao ambiente. Expliquemo-nos. Já se percebeu a importância do ambiente para o Homem e sempre que se fazem grandes empreendimentos é solicitado um estudo sobre os seus impactos ambientais, quer para ver a viabilidade do projecto quer para o acompanhar de um conjunto de acções que reduzam os impactos nefastos. Contudo muito se decide e se faz que pode pôr em causa a ética vigente sem qualquer preocupação por isso. Haveria que acompanhar muitas decisões, essencialmente políticas, legislativas e outras, de estudos de impacto ético e defraudador.

Finalmente, uma mais eficaz prevenção da fraude exige uma sociedade mais atenta e informada sobre essa realidade, preocupada em construir um futuro mais ético.

 

NOTAS:

1 Informações retiradas de ACFE. 2016 Report to the Nations on Occupational on Fraud and Abuse