Carlos Pimenta, Jornal i online

Não é tecnicamente difícil combater as infracções económico-financeiras. Haverá vontade política para o fazer?

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A corrupção, o tráfico de seres humanos, de órgãos, de droga, de material bélico, e mercenários, de animais em extinção e de outros bens, a contrafacção e outras actividades ilegais, são muito diferentes nas suas formas de actuação, nos públicos alvo e nas entidades envolvidas (embora crescentemente dirigidas pela criminalidade organizada transnacional, com envolvimento de elites sociais) têm necessariamente duas consequências:

(1)    degradar a moral social, ampliando os factores permissivos dos comportamentos desviantes;

(2)    proceder a um conjunto de operações económicas e financeiras que encubram a origem criminosa dos rendimentos e riqueza, que possibilitam apresentá-los com origem honesta.
Se o primeiro aspecto é inevitável, eventualmente permitindo perder rapidamente uma ética secularmente construída, o segundo (branqueamento de capitais ou, numa gíria mais popular, lavagem de dinheiro) é, em muitas situações, detectável, controlável, reprimível e uma via operacional de detectar um conglomerado de actividades ilegais. Apesar de sabermos que várias formas de lavagem de dinheiro são de difícil detecção (ex. utilização das apostas desportivas ou viciação de resultados desportivos), que a exploração das redes mundiais de actuação e a forma rápida de agirem ‒ em contraste com as regras que as polícias têm que respeitar a bem da dignidade humana ‒ dificultam o empreendimento, mas a detecção e prevenção do branqueamento de capitais revela-se como uma prioridade.

E como se dizia numa crónica neste mesmo sítio, “a boa notícia é que, nada disto é tecnicamente difícil. É tudo uma questão de vontade política”.

Colocam-se então novas questões: o que se pode entender por “vontade política”? O que é que a promove? O que é que a obstaculiza? Quais são as tendências históricas?

Não é viável responder a todas estas questões mas lançamos, de seguida, algumas pistas de reflexão.
Antes de mais, duas observações preliminares para evitar equívocos:

a)    Conclua-se, ou não, que existe essa “vontade política” não é possível considerar que todos os políticos, assim como todos os cidadãos, têm as mesmas posturas éticas, as mesmas práticas. Haverá políticos com comportamentos deontológicos e outros que nunca souberam o que isso era ou se «esquecem» quando o dinheiro brilha. Felizmente há muitos políticos que se empenham para que a vontade política seja ética.

b)    De entre os políticos que, directamente ou indirectamente, criam condições para que o crime se propague há os que têm plenamente consciência disso (frequentemente estão pessoalmente abertos à corrupção e a outros comportamentos criminosos), e os que ignoram esses impactos das suas ideias e vontade. São marionetes inconscientes de um ensino em que certas temáticas específicas foram ignoradas, de paradigmas científicos em que o normativo e o formal  substituem a observação da realidade, da ideologia socialmente dominante, hoje, de promoção do curto prazo, da empresarização da sociedade, da concorrência designada de livre (a um preço que se ignora), da subserviência política aos mercados, da metamorfose da Política em Economia.

Agora alguns factos.

a)    Em finais do século XIX começou a surgir um conflito de poderes entre a soberania política dos Estados e a capacidade económica do capital internacional. O crescimento da importância económica das multinacionais durante o século XX, e sobretudo depois da década de 80 até aos dias de hoje, fez com que o valor da actividade económica de várias dessas empresas suplantasse a de muitos países. Esta situação marca decisivamente a correlação de forças mundial e é a principal responsável pela passagem do “Estado-nação” ao “Estado-mercado” e ao aparecimento das fugas legais à ética, como é evidenciado pelos offshores.

b)    O Estado nos países capitalistas, pois é disso que estamos a falar, passou do planeamento de longo prazo, indicativo para o sector privado, mas imperativo para o Estado, com uma forte intervenção na sociedade, à lógica comportamental do curto prazo, a uma desregulação aparentemente regulada, a uma ausência de fiscalização institucional e burocraticamente fiscalizadora.

c)    A actividade económica mundial, e de muitos países, passou a ser dominada pelo capital financeiro. Bancos, bolsas de valores, fundos de pensões, capitais de risco, empresas de notação financeira e outras instituições controlam a actividade económica, transformando profundamente grandes sectores da economia. A economia de mercado associada à criação de rendimento novo, objecto de partilha, transforma-se frequentemente em uma economia de rent-seeking ou seja, para dar a palavra a Stiglitz, “obtenção de rendimento não como recompensa por se ter criado riqueza mas por açambarcamento de uma fatia excessiva de riqueza que não se produziu”. Assim assiste-se a um agravamento das desigualdades sociais, a um capital financeiro predador, logo sem ética, disponível a todas as fraudes para garantir a eficiência de curto prazo, com capacidade de transferir os custos das suas fraudes para os Estados e as populações. O empréstimo aos cidadãos e aos Estados (usura), com enfraquecimento e subserviência destes, são pilares básicos do seu funcionamento, em detrimento do crédito às actividades produtivas.

Será que há vontade política para combater a fraude, as infracções económico-financeiras, o crime económico?
Deixamos ao leitor a resposta, com um apontamento: nada é eterno, há no planeta muitos milhões de cidadãos, e a democracia política e social está sempre em construção, dependendo também de nós!