Nuno Guita, Jornal i online

A moeda papel e o seu curso legal a caminho do apontamento histórico, mas com isso também a autodeterminação económica.

Desde os primórdios das recomendações do GAFI (Grupo de Acção FInanceira) até aos dias de hoje vem-se promovendo a total bancarização da economia e com isso de uma parte significativa das nossas vidas. Esta fúria bancária (digo eu) tinha como virtude (diz o meu amigo Orlando Mascarenhas) trazer para o sistema financeiro regulado todos os activos (incluindo de origem criminosa), facilitando assim o seu rastreamento e por fim conhecer os beneficiários e, se necessário, agir sobre estes por via dos instrumentos de prevenção ao branqueamento de capitais.
Com efeito, a vida hoje já não é possível sem conta bancária e mesmo sem cartão de crédito a coisa torna-se complicada.

Há já muito que o patrão deixou de pagar em dinheiro, o senhorio já não vem receber em mão a renda e o comércio eletrónico também só é possível com cartão. Pelo que a economia à margem dos bancos deixou de ser possível. Como em muitos outros domínios, Portugal foi pioneiro, tendo a SIBS com a sua Rede MULTIBANCO conduzido a população neste maravilhoso mundo da total bancariazação da nossa economia. Existe inclusive desde algum tempo o direito a serviços mínimos bancários. A conta bancária tornou-se num direito pessoal!

Acontece, porém, que em tempos de taxas de juro muito baixas ou negativas, custos de regulação bancária crescentes, e ambições de resultados crescentes, as instituições de crédito têm vindo a onerar o Cliente pelas mais diversas vias. E como a criatividade do sector financeiro não conhece limites há muito que estes não se limitam apenas a cobrar taxas sobre a manutenção de contas e cartões de crédito.

Recordemos que em tempos idos vigorava como princípio geral que os bancos recebiam depósitos e concediam créditos. Os juros eram pagos aos depositantes e cobrados a quem se concediam os empréstimos, ficando os bancos para si com uma margem pela intermediação. Mas este principio já não se aplica entre nós! Verifica-se que ao fazer um depósito bancário, o seu valor diminui com o passar do tempo. O que significa que estando o nosso dinheiro obrigatoriamente no banco, estamos constantemente a ter de reforçar os depósitos apenas para esse efeito. Mas simultaneamente são-nos cobradas as mais variadas taxas inclusive para levantar o nosso dinheiro.

Pagamos ao banco para reaver o dinheiro que lhe emprestamos – isto é o mundo ao contrário! Curioso nisto é também verificar como todos nos conformamos com a materialização do impossível.

Nestas condições já não há literacia financeira que salve o cliente bancário. Dedicar-se à poupança é desesperado. Investir na bolsa é arriscado. Mas seguir a corrente sem planeamento financeiro e esperar por novos dias também não é solução.

Nos países com crescimento económico o sistema de taxas de juro negativas acaba por promover o recurso ao crédito. Mas numa economia que persiste em não crescer o colchão começa novamente a apresentar-se como um destino válido para as poupanças.

Mesmo que por ora ainda não se apliquem taxas de juro negativas aos créditos concedidos, essa opção começa a ganhar adeptos. Se tal se vier a materializar, teríamos os créditos concedidos a serem majorados na redução dos reembolsos – aí teríamos verdadeiramente a inversão dos papeis no sistema da intermediação financeira.

Esta perspetiva deveria preocupar todos, mas sobretudo os bancos, pois se por ora a conta bancária ainda é indispensável entre nós, é de esperar que nestas condições, outras formas de intermediação financeira já existentes venham a ser reforçadas.

As moedas virtuais como os bitcoins estão a fazer o seu percurso e os grandes grupos tecnológicos estão de olhos postos nestas oportunidades. No Quénia mais de 17 milhões de pessoas já usam o telemóvel para fazer e receber pagamentos sem terem necessidade de uma conta bancária.
Mas cuidado… não consta que os bancos sejam os únicos agiotas nem que os serviços tecnológicos sejam menos criativos nas cobranças junto dos clientes.