Pedro Moura, Jornal i online

Portugal tem, durante os próximos anos, fruto sobretudo de programas de base Estatal, uma enorme quantidade de capital de risco disponível para investimento em empreendedorismo

O empreendedorismo está na moda em Portugal. Num país em que o ‘emprego para a vida’ (de preferência na Função Pública ou numa ‘Grande Empresa’) domina ainda as preferências de muitas pessoas e famílias, é importante que se incentive uma cultura pessoal e social que privilegie o desenvolvimento de capacidades de adaptação e aprendizagem contínua a par de atitudes que favoreçam a autonomia, a liberdade pessoal e o assumir de riscos. Não podemos, de forma alguma, conformarmo-nos em ser um país de seguidores e rentistas.

No entanto, tão bem sucedido tem sido o fomento e promoção do empreendedorismo em Portugal (interna e externamente) que neste momento acontece parecermos mais que o que realmente somos. O que é natural num ecossistema (de empreendedorismo) em pleno processo de maturação.

Assumindo, sem nenhum assombro ou pseudo-tragédia, que o ‘empreendedorismo’ se encontra, em Portugal, numa fase de ‘bolha', caracterizada por níveis elevados de mediatismo e recursos disponíveis por parte de instituições, temos aqui uma oportunidade ímpar para avançar na maturidade do ecossistema e encher esta ‘bolha’ com mais resultados e capacidade de execução, evitando a sua implosão.

Que não se tomem estas palavras por pessimismo ou descrença: pelo contrário. Dificilmente poderíamos ter uma situação com uma melhor combinação de contexto e recursos para transformarmos Portugal num exemplo de empreendedorismo a nível mundial. Mas a tendência das bolhas mediáticas para crescerem de forma não sustentável, desligando-se progressivamente da realidade, é grande e tende a arrastar muita gente com elas. O pecado humano da vaidade já provou ser de largo e longo alcance.

Apresento de seguida algumas opiniões e ideias sobre estes temas que, espero, contribuam positivamente para a evolução positiva do empreendedorismo em Portugal.

Uma nota antes de prosseguirmos: quando falo de ‘empreendedorismo' neste artigo refiro-me a empresas sobretudo baseadas em inovação tecnológica (mas não exclusivamente), focadas para exportação (mercados internacionais) e com grande potencial de crescimento: as tão afamadas ‘startups’. Embora tendo um enorme papel na economia, deixo propositadamente de fora o empreendedorismo mais tradicional, de negócios de base mais local e/ou com pouca intensidade tecnológica, sem um potencial global de crescimento. Por vezes estes dois mundos são confundidos, o que penso ser um erro quando se debate o tema do empreendedorismo.

DEALFLOW (quantidade e qualidade)
‘Dealflow’ é o termo usado pelas empresas de Capital de Risco (ou VC, de Venture Capital) e pelos Business Angels (BA) para denominarem o fluxo de projetos de startups que lhes chegam com propostas para investirem. Há um problema sério de Dealflow em Portugal, materializado quer no baixo número de startups que surgem, quer na igualmente baixa qualidade (em média) dos projetos empresariais das mesmas. Tendo recentemente falado com praticamente todos os VC (e alguns dos maiores BA) em Portugal, a queixa de falta de Dealflow onde investir foi um tema comum a todos. Eu próprio tenho feito parte do júri de seleção de startups para a Startup Lisboa e a impressão com que fico é que se quantidade até possa existir (a Startup Lisboa tem a sua merecida fama) a qualidade média dos projetos demonstra enormes lacunas ao nível de viabilidade empresarial dos mesmos.

É necessário trabalhar-se, quer no aumento da quantidade de startups a surgirem, quer na qualidade das suas equipas e projetos.

No que toca à quantidade é fundamental que as Universidades se decidam de vez a fazerem uma forte aposta na preparação e orientação dos seus alunos para o empreendedorismo. Existe boa vontade de alguns responsáveis universitários, mas na maior parte dos casos as Universidades continuam ainda muito reféns de uma cultura endogâmica e dogmática, focada na importância do corpo docente / científico e pouco alinhadas com a criação de espírito crítico e da educação para o empreendedorismo. Deixo uma ideia: porque não incentivar os alunos a, no seu último ano, efetuarem o seu trabalho (tese?) final numa lógica de criação de uma startup, para que quando terminem o seu curso já tenham um conjunto de conhecimentos e experiência a nível empresarial, bem como uma maior predisposição para a criação do seu próprio negócio? De qualquer forma a ligação Universidade-Empreendedorismo tem de se tornar uma realidade mais palpável que discursos, eventos e declarações vagas de intenções. Temos de transformar a Universidades em viveiros de empreendedores, não mantê-la numa linha de produção em massa de ‘operários’ com altas taxas de empregabilidade.

É também necessário atrair empreendedores estrangeiros que venham montar os seus projetos a partir de Portugal. Contamos com o Governo para criar as condições burocráticas e processuais que permitam isto (por exemplo o programa Startup Visa Índia que se anunciou recentemente estar a ser implementado). Se Portugal for competitivo e for fácil criar uma startup aqui, estou certo que devido à posição geográfica, custo e qualidade de vida, recursos tecnológicos/humanos e cultura de abertura a outras gentes haverá muitos fundadores e VCs que quererão abrir cá as suas empresas. Basta observar o que tem acontecido com, por exemplo, o programa de aceleração Lisbon Challenge (Beta-I) e a incubadora Startup Lisboa: a taxa de candidaturas estrangeiras tem vindo progressivamente a aumentar ao longo dos anos.

Quanto à questão da qualidade das startups (numa fase inicial) considero alguns temas como fundamentais. É necessário deixar de incentivar a criação de startups de ‘microondas’, em que basta agarrar numa ideia tida num rasgo de inspiração imediata, que os amigos achem ‘porreira’ (geralmente uma app B2C, por exemplo app para melhorar o turismo em Lisboa, app para saber receitas, app para descobrir os melhores eventos, etc), montar um powerpoint ‘bonito’ para apresentar num dos muitos eventos de pitch que por aí existem e receber os parabéns dos presentes e uns quantos de likes no Facebook. É necessário passar convictamente a mensagem que o objetivo de uma startup não é angariar investimento, participar em eventos ou ganhar concursos de empreendedorismo, mas sim entregar um bom produto num mercado com dimensão e conseguir clientes e faturação. É necessário criar a mentalidade que uma startup é uma empresa, e como empresa se deve comportar. É necessário que quem esteja a montar a sua startup recorra ao conhecimento que já existe no ecossistema (nomeadamente de outros empreendedores que já fizeram o mesmo caminho) e que peça (exija!) que critiquem e tentem destruir a sua ideia, para que colocando-a à prova ela possa evoluir e transformar-se num projeto empresarial viável e com real potencial de crescimento. Em suma, é necessária uma cultura não só de promoção e fomento do empreendedorismo, mas também de exigência e espírito crítico. Isto da parte de todo o ecossistema, dos empreendedores às estrutura institucionais do próprio Estado.

Mais medidas podem (e devem) ser pensadas para melhorar a questão da quantidade e qualidade de dealflow. Programas como o Startup Voucher são propostas muito interessantes e que podem ser altamente eficazes como um primeiro passo para a criação de mais e melhores startups. Mas é necessário que todos os intervenientes e responsáveis pelo ecossistema de empreendedorismo assumam o problema da quantidade e qualidade de dealflow de startups e o tratem de forma crítica.

A evolução do nosso ecossistema de empreendedorismo só se dará se conseguirmos fomentar o aparecimento de mais e melhores startups, com maior potencial e probabilidade de serem sérios sucessos empresariais. De outra forma toda a ‘bolha’ que menciono acima não será preenchida, uma oportunidade de ouro será perdida e ficaremos somente pelo nível do empreendedorismo-espetáculo, até o empreendedorismo passar definitivamente de moda e se descobrir outro qualquer grande desígnio.

CAPITAL
Outro dos eixos fundamentais de um ecossistema (de empreendedorismo) é a existência de capital (de risco) em quantidade e qualidade suficientes para suportar o desenvolvimento e crescimento das startups.

Portugal tem, durante os próximos anos, fruto sobretudo de programas de base Estatal, uma enorme quantidade de capital de risco disponível para investimento em empreendedorismo. Ouso dizer que talvez tenha até capital de mais para o Dealflow (ver acima) que neste momento Portugal consegue gerar. Mais uma vez a existência deste capital de risco é uma oportunidade ímpar para passarmos para um nível superior de maturidade e de resultados, mas comporta riscos que devem ser abordados sem dramas e mitigados de forma fria e racional.

A primeira condição (e provavelmente o fator mais crítico) para conseguirmos aproveitar bem estes recursos de capital de risco é precisamente melhorar o Dealflow. Já falei disso acima, e embora muito mais haja para debater e pensar, sobre este tema só acrescentarei que quando há muito capital (e uma quase obrigatoriedade em o gastar, visto não estar disponível para sempre), há sempre o risco de as decisões de investimento poderem não ser as melhores, sobretudo quando o leque de possibilidades de investimento (Dealflow) não tem dimensão suficiente.

É também importante que os investidores (VCs e BAs) dominem as tentações que muitas vezes os assolam de quererem ‘dominar’ as startups, por exemplo ficando muitas vezes com demasiada equity em investimentos iniciais (dificultando as rondas seguintes), impondo termos de investimento que  desincentivem investidores (sobretudo estrangeiros) em fases mais avançadas ou diminuam a autonomia e agilidade da gestão executiva da startup. Infelizmente estes casos são mais frequentes que o desejável; felizmente tendem a diminuir.

Fundamental é também os investidores terem a noção que, sendo praticamente obrigatório que o mercado alvo de uma startup seja externo (Portugal é um mercado muito pequeno para uma startup poder realmente escalar), é muitas vezes necessário ajudar as startups a encontrarem investidores e parceiros internacionais que suportem o crescimento da startup. Os nossos VCs e BAs têm de trabalhar progressivamente com ‘agentes’ estrangeiros para este fim, pois só assim conseguirão rentabilizar os seus próprios investimentos para níveis interessantes. Têm-se visto progressivamente mais VCs estrangeiros por Portugal, o que indica existir pelo menos curiosidade. Os nossos próprios VCs devem procurar parcerias e investimentos sindicados com estes ‘visitantes’, sem medo de serem ‘sobrepujados’ no seu papel na startup. O negócio de capital de risco necessita de startups que escalem brutalmente e tenham saídas (exits) com múltiplos descomunais, para compensar a realidade de a grande maior parte dos investimentos falharem ou apresentarem níveis baixos de rentabilidade.

Uma medida que julgo os investidores devam privilegiar passa por incentivar as suas investidas a participarem em estruturas de apoio especializadas (sobretudo de aceleração) durante as primeiras fases de vida de uma startup. O grau de desconhecimento e inexperiência dos fundadores de uma startup no começo é grande (sobretudo em empreendedores de primeira vez), pelo que o apoio de um programa alinhado com objetivos claros, recursos adequados disponíveis, e que providencie apoio efetivo de pessoas com mais experiência (mentores, sobretudo outros empreendedores) tem imenso valor quer na redução do risco associado ao investimento, quer no aumento do potencial de valorização de uma startup.

EM SUMA
O empreendedorismo está na moda em Portugal. Portugal está na moda (internacional) do Empreendedorismo. Existem recursos e contextos ímpares para o ecossistema de empreendedorismo darem um salto qualitativo e quantitativo. Para tal é necessário ‘encher a bolha’ com conteúdo, para evitar a sua implosão. Tal consegue-se com resultados e casos de sucesso concretos, que passem para lá da espuma do empreendedorismo mediático. É assim necessário trabalhar ao nível do Dealflow (quantidade e qualidade de startups) e na promoção de uma boa utilização do Capital de Risco disponível.

Trata-se aqui da necessidade de ‘profissionalização’ do ecossistema de empreendedorismo, que complemente o mediatismo e os recursos existentes com uma melhor capacidade de execução e obtenção de resultados. Subvertendo (e invertendo) um velho dito do célebre Júlio César relativamente à honestidade da esposa Pompeia: 'ao empreendedorismo português não basta parecer bom, tem (mesmo) de ser bom'. E temos tudo para sermos excelentes. Dependemos somente de nós.

P.S.: O dito que inspirou o último parágrafo do texto é 'À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta.’ (mais em https://goo.gl/nRuxUz)