Mariana Fontes da Costa, Visão online,

 

Resultando, na maioria dos contratos, a taxa de juros da soma aritmética do spread com o indexante e estando a Euribor a três meses atualmente com o valor negativo de -0,331%, nos casos em que o contrato de crédito à habitação foi celebrado com spread de 0,3% ou inferior, o juro que daí resulta é menor do que zero.”

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Quando finalmente se começa a instalar a esperança de estarem ultrapassadas as principais perturbações geradas pela crise económico-financeira de 2007, eis que, num último (ou penúltimo… ou antepenúltimo…) fôlego, ela nos mostra novamente o alcance do seu poder disruptivo, numa réplica da mais profunda ironia.

Como parte do conjunto de medidas adotadas em resposta à crise económica, o Banco Central Europeu mudou a sua política de juros, aproximando-a da política praticada pela Reserva Federal Norte-Americana, com o propósito de provocar a descida da Euribor.

Ora, numa primeira fase, os efeitos dessa descida acentuada da Euribor fizeram-se sentir de modo profundamente nefasto sobre os clientes de contratos de swap, que sofreram, em consequência, prejuízos muito avultados.

Porém, num volte-face digno de um filme da Disney, a continuação da descida acentuada da Euribor volta a ser notícia, agora pelos avultados prejuízos que pode causar ao sistema financeiro e às instituições de crédito.

A grande maioria dos contratos de crédito à habitação em Portugal são celebrados a taxa de juro variável, sendo o indexante de referência habitualmente eleito a Euribor, a três, seis ou doze meses. Destes, a Euribor a seis meses é claramente a opção mais utilizada.

Ora, resultando, na maioria dos contratos, a taxa de juros da soma aritmética do spread com o indexante e estando a Euribor a três meses atualmente com o valor negativo de -0,331%, nos casos em que o contrato de crédito à habitação foi celebrado com spread de 0,3% ou inferior, o juro que daí resulta é menor do que zero.

Numa lógica de aplicação literal do contrato, perante esta situação, o banco deverá ser obrigado não apenas a não cobrar quaisquer juros no âmbito do empréstimo à habitação, mas terá mesmo de amortizar partes do capital em dívida pedido pelo cliente mutuário. Se presentemente é pouco significativa a percentagem de créditos abrangidos por esta situação, prevê-se que o cenário se agrave acentuadamente quando se estender aos contratos indexados à Euribor a seis meses.

Em meados de 2015, quando o problema da taxa de juro negativa era ainda teórico e as fronteiras da soma entre a Euribor e o spread se moviam acima de zero, o Banco de Portugal manifestou-se quanto a este tema, através da Carta Circular n.º 26/2015/DSC, defendendo que “nos contratos de crédito e de financiamento em curso não podem ser introduzidos limites à variação do indexante que impeçam a plena produção dos efeitos decorrentes da aplicação desta regra geral.”

Porém, a efetivação do cenário macroeconómico associado a taxas de juro inferiores a zero levou o Governador do Banco de Portugal, em declarações prestadas no Parlamento em abril de 2016, a propugnar um entendimento restritivo desta Carta-Circular, segundo o qual o abatimento do valor negativo da Euribor ao spread terá como limite zero; este entendimento tem sido defendido e aplicado pelas instituições bancárias na atualidade.

Remetidos para já à gaveta os projetos de lei do Bloco de Esquerda e do PCP, nos quais se consagrava expressamente a obrigação dos bancos refletirem integralmente o valor negativo da Euribor nos contratos, permanece a questão em aberto e multiplicam-se os entendimentos divergentes entre clientes e bancos, entre políticos e juristas.

Mais do que a solução juridicamente mais acertada, importa nestas linhas realçar a iniquidade de uma falta de solução uniforme e transparente, que prejudica sempre e em último grau o consumidor: quer aquele que não sabe com certeza se está a ser ilicitamente privado dos seus direitos, quando o banco se recusa a aplicar a taxa de juros abaixo de zero, quer sobretudo o consumidor atual, sobre quem necessariamente serão repercutidos os prejuízos que os bancos vierem a ter com a sua atual carteira de crédito à habitação.