António João Maia, Jornal i online

Muitas explicações existem para ilustrar estas opções. Quase todas nos conduzem ao mesmo lugar. Ao indivíduo, à sua consciência e às relações com terceiros.

Como já referimos em reflexões anteriores, a fraude e a corrupção – entendida esta como a fraude na gestão e na governação pública – decorrem de situações concretas de conflitos de interesses. De decisões reveladoras de algum egoísmo por parte daqueles que as tomam, porque estão a olhar unicamente para a satisfação de interesses próprios, em detrimento ou secundarizando os interesses colectivos que na realidade deveriam assegurar. No caso da fraude, em detrimento dos interesses da organização privada que servem. No caso da corrupção, em detrimento do interesse geral, que como se sabe é um dos pressupostos centrais da gestão e da governação pública.

De uma forma ou de outra, e para lá de toda a censura social e moral que lhes está associada, estamos a perceber que estas práticas são profundamente individualistas. É o indivíduo – aquele que exerce funções na estrutura orgânica de uma empresa ou de um serviço público – que está mais preocupado com o seu universo particular e menos com o contexto social onde se insere e de que faz parte.

E várias explicações são conhecidas para perceber estas opções. Delas podemos destacar algumas:

-              Sentimentos de impessoalidade dos sujeitos nas suas relações sociais com o grupo de que fazem parte, dada a sua dimensão alargada, que podem ser a base de explicações e autojustificações do tipo “não estou a prejudicar ninguém em concreto” ou “se outros o fazem, também posso fazer”;

-              Percepção da incapacidade das organizações e das estruturas de controlo em sinalizar ou detectar práticas desta natureza, traduzidas em argumentos como “ninguém vai saber, por isso posso decidir deste modo” ou “ouço histórias de outros que o fazem e andam por aí como se nada tivesse acontecido”;

-              Percepção de impunidade face a este tipo de delitos, na medida em que ninguém parece aperceber-se ou sinalizar estas práticas, ou simplesmente por incapacidade do sistema punitivo em perseguir os seus autores, que pode explicar opções baseadas em argumentos do tipo “ninguém é punido por actos desta natureza”, “outros com funções de maior responsabilidade do que a minha fazem coisas semelhante e nada lhes sucede”, ou “outros fazem coisas bem piores e nada lhes acontece”;

-              Mecanismos de projecção da culpa, sobre a organização ou sobre terceiros, que contribuem para sentimentos de autolegitimação pelas opções tomadas, identificados em explicações do tipo “o meu chefe esteve mal ao não me escolher para a promoção, por isso agora posso decidir neste sentido, a meu favor”, ou “eu não queria decidir deste modo, ele é que me obrigou a isso”.

Muitas outras explicações existem para ilustrar estas opções. Quase todas nos conduzem ao mesmo lugar. Ao indivíduo, à sua consciência e às relações com terceiros. Ou, como nos ensina Ortega y Gasset, ao indivíduo e à sua circunstância.

É o indivíduo que em consciência toma a decisão de avançar ou não para a prática da fraude e da corrupção. É no plano individual, no quadro de valores éticos de cada um e no contexto de cada situação concreta que as decisões são tomadas.

Mas como este tipo de decisões afectam terceiros, afigura-se-nos necessário introduzir aqui o exercício, sempre de grande importância, de sermos capazes de nos colocarmos no lugar do outro. E é a precisamente partir deste ponto que, a finalizar, se suscitam questões como: Será que a maioria dos actos de fraude e de corrupção teriam efectivamente ocorrido se aqueles que optaram por essas vias tivessem previamente tido a capacidade de se colocar no lugar dos outros, daqueles que vão ser as suas vítimas? E se, estando nessa posição, sentir-se-iam confortáveis por se saberem vítimas de fraude e corrupção?

É que a génese do problema baseia-se também, e muito, numa questão de consciência.