Raquel Brito, Jornal i online

O que poderá intrigar o “ginasta” (e certamente a administração tributária se de tal se aperceber) é continuar a pagar o acordado pela utilização do ginásio mas agora decomposto em duas rubricas, sendo uma delas a consulta de nutrição que não houve

 

A imaginação humana é tão imparável como surpreendente. Sendo certo e sabido que a nossa capacidade de adaptação a novas realidades é admirável.

A título exemplificativo contemplemos os ginásios, que proliferam por este país, e que nos poderão fazer pensar “como podem sobreviver tantos?”. Sem pormenorizar este debate, é legitimo reconhecer que: a) a concorrência direta é imensa; b) a prática de exercício físico ao ar livre cresceu exponencialmente; c) existe uma multiplicidade de modalidades e respetivos recintos praticáveis; etc…

Surge, assim, a necessidade de desenvolver estratégias para rentabilizar o “negócio”. E é precisamente neste ponto que se celebram os tão populares “engenho e arte”, diferentes do nobre sentido que Camões lhes conferiu!
Neste sentido, importa referir duas questões principais: os contratos abusivos e os impostos.

1 - Enquanto consumidores, já nos confrontámos com pequenos quid pro quo relativamente a contratos estabelecidos com algumas instituições / empresas, nomeadamente operadoras de telecomunicações, instituições bancárias e outras empresas prestadoras de serviços. Notícias têm vindo a público sobre posições contratuais celebradas que parecem, aos olhos do “normal” consumidor, inaceitáveis. O próprio Ministério Público tem publicado o desfecho legal resultante de ações relativas a estes casos, expondo cláusulas de inúmeros contratos consideradas nulas  pelos tribunais.

Ora, atualmente numa simples inscrição num ginásio o consumidor é presenteado com contratos descomunais, pejados de cláusulas, com letras diminutas, com adesões eletrónicas, …, que a grande maioria aceita, sem ler! Porque é, simplesmente, um contrato cujo fim possibilita a prática de exercício físico.
Surgem, no entanto, contratos que configuram um abuso, resumidamente “nós temos todos os direitos e vocês nenhum!” Podem ler-se cláusulas verdadeiramente leoninas, fazendo do velho leão de Esopo um singelo e credível negociador.
Prevalecerão as orientações extremistas que afirmam a existência de liberdade jurídica na hora da celebração dos contratos, cujo consentimento dos consumidores / utilizadores os vincula? Será irrelevante o conteúdo deste tipo de contrato?

2 -  Relativamente à questão dos impostos importa perceber a legalidade das medidas que tem vindo a ser postas em prática na hora da faturação dos serviços prestados por ginásios.

Aos serviços prestados no âmbito dos ginásios podemos incluir um considerável leque de préstimos (desde o suprimento de toalhas até ao personal trainer), que estão à disposição do consumidor. Até aqui nada de novo!
O que poderá intrigar o “ginasta” (e certamente a administração tributária se de tal se aperceber) é continuar a pagar o acordado pela utilização do ginásio mas agora decomposto em duas rubricas, sendo uma delas a consulta de nutrição que não houve. Ou seja, para além da descrição de utilização do ginásio na fatura, poderá surgir, a qualquer momento e em simultâneo, a descrição de consulta de nutrição.

Em boa verdade, questionará apenas o consumidor mais atento, pois esta “ginástica” fiscal em nada altera o valor do pagamento da sua mensalidade. Altera, tão-somente, o valor do IVA a pagar, tendo em conta que as consultas de nutricionismo estão isentas do referido imposto.

O contrato celebrado nos moldes anteriormente apresentados “obriga” a que, quer se utilize a consulta ou não (ainda que esta nem tenha sido solicitada), a mesma possa constar da fatura e nunca o seu valor será devolvido!

Concluindo,
É importante que os cidadãos, enquanto consumidores, estejam alerta para estas situações, que poderão causar alguns constrangimentos, e que façam uso dos mecanismos legais disponíveis.
Importa ainda referir que a fuga ao fisco é um problema grave, seja ela por atuação dos cidadãos e das empresas ou em virtude de carências legais.

Confrontadas com um excesso de concorrência, com uma elevada carga fiscal, entre outros fatores, as empresas tendem a desenvolver estratégias de sobrevivência, nem sempre as mais legítimas.