Fernando Costa Lima, Visão online,
“A última coisa de que precisamos é aliviar a regulação”
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Vem esta crónica a propósito da anunciada intenção de Donald Trump, durante a campanha eleitoral, de desmantelar as abrangentes reformas “Dodd-Frank” que Obama e o Congresso introduziram em 2010 para refrear a tomada de risco e prevenir uma repetição da crise de 2007-09(1).
No dia 3 de Fevereiro, Donald Trump assinou uma ordem executiva, instruindo o Secretário do Tesouro para consultar os responsáveis das agências membros do Financial Stability Oversight Council para reverem o Dodd-Frank Act, e propor formas de reduzir o seu impacto regulatório na economia.(2)
Na sua edição de 3 de Fevereiro o Financial Times escrevia: “A chamada “regra fiduciária”, que está na mira da Casa Branca, tem sido o alvo de pressões enormes pelos corretores e outros consultores financeiros desde que foi proposta pela Administração Obama em 2015.”(2)
A reforma “Dodd-Frank” tem sido extremamente criticada por ser considerada um inferno em termos burocráticos e regulatórios para o sistema financeiro americano.
Vejamos alguns dados:
- O American Action Forum estimou os custos do Dodd-Frank Act para a indústria financeira em 36 biliões de dólares, de 2011 a 2016;
- Entre 2010 e 2013, o emprego nas agências ligadas à regulação financeira cresceu mais de 15%(3);
- O Consumer Financial Protection Bureau (CFPB) criado em 2011 pelo Dodd-Frank Act já contava com 1 800 funcionários no final de 2015(3);
- Ao fim de quatro anos de implementação, o Dodd-Frank Act contava com quase 400 novas leis(3);
- Um Working Paper da George Mason University resumia do seguinte modo as principais conclusões quanto ao impacto do Dodd-Frank Act sobre os pequenos bancos:
- Custos de Compliance: os pequenos bancos estão a gastar mais com o compliance com Dodd-Frank. Mais de 80% dos bancos entrevistados viram os seus custos de compliance crescer mais de 5% desde 2010;
- Preocupações: os pequenos bancos estão mais preocupados com o Bureau of Consumer Financial Protection e as novas regras sobre hipotecas;
- Consolidação: os pequenos bancos estão a responder reduzindo as linhas de produtos e analisando fusões com outros bancos. Estão a repensar se devem oferecer crédito hipotecário para habitação própria. Cerca de 25% dos bancos estão a estudar fusões.(4)
A legislação Dodd-Frank, bem como a legislação europeia pós-crise financeira, é o exemplo acabado da gula dos reguladores. Tudo se quer regular, tudo se quer devidamente controlado.
Um dos princípios fundamentais da regulação financeira é o princípio da proporcionalidade, ou seja a contenção, a moderação. Princípio aliás consagrado na legislação europeia mas aparentemente muito pouco usado.
A gula é exactamente o contrário do princípio da proporcionalidade.
As palavras de Mario Draghi dirigidas aos eurodeputados, em reacção ao anúncio de Trump, são elucidativas da gula dos reguladores: “A última coisa de que precisamos é aliviar a regulação”(5).
Não é por acaso que, muito recentemente, o responsável da Financial Services Agency do Japão, equiparou a regulação bancária a dezenas de médicos especializados a injectar diferentes remédios potentes para cada sintoma.
Não me surpreende pois que Donald Trump tenha colocado o Dodd-Frank Act debaixo de fogo.
Em Dezembro de 2008, numa crónica aqui publicada e com o título “Mais leis? Não obrigado”, eu rematava: “Em conclusão, penso que não são mais leis, mais regulamentos e mais exigências de relatórios e montanhas de informação a enviar aos reguladores que vão evitar os desastres. Os reguladores devem procurar, isso sim, as zonas e os focos potenciais de conflitos de interesses e, com a autoridade e os poderes que lhes estão conferidos, obrigar a implantação de medidas e mecanismos de resolução e acompanhamento eficazes desses conflitos de interesses.”
NOTAS:
(1) In Financial Times, What Wall Street wants from Trump, January 11, 2017
(2) http://www.doddfrankupdate.com/DFU/DoddFrankUpdate.aspx
(4) Hester Peirce, Ian Robinson, and Thomas Stratmann, HOW ARE SMALL BANKS FARING UNDER DODD-FRANK?, George Mason University, FEBRUARY 2014
(5) In Financial Times, Mario Draghi pushes back at Trump shake-up, February 6, 2017