Nuno Guita, Jornal i online
Apesar de todos os esforços, porque se continuam a verificar eventos de “non-Compliance” aparentemente cada vez mais graves?
Nos últimos anos, as alterações legais a que as actividades económicas têm vindo a ser sujeitas, em todo o mundo, revelaram-se dramáticas. A probabilidade de abrandamento de tais alterações é baixa. O intenso controlo dirigido ao tecido empresarial traduz-se na regulação de quase todos os aspectos da sua actividade - por ex. leis da concorrência, normas fiscais e aduaneiras, regulamentos ambientais, regulamentação do comércio externo ou regras contabilísticas e financeiras. Uma violação normativa pode ter efeitos altamente perniciosos, levando, em última instância, à destruição da própria empresa. Casos concretos são sobejamente conhecidos.Tendo estas consequências em mente, coloca-se-nos a questão de saber como salvaguardar as empresas. Como operar uma empresa que se quer mover em “águas seguras” mas tem de se manter flexível e, por fim, preservar os recursos do seu negócio?
A partir de eventos de non-compliance são regularmente retiradas ilações com consequências organizacionais. Para tal, constituem-se novos departamentos de Compliance ou reforçam-se os já existentes e contrata-se um Compliance Officer de forma a sinalizar publicamente o empenho da empresa onde tais eventos ocorreram. Acrescentam-se ainda às medidas organizacionais existentes, regulamentos extensivos adicionais, mais um código de conduta ou mais uma política de controlo. E, finalmente, sujeitam-se os funcionários, em todos os níveis de hierarquia, a baterias de formação intensivas sobre matérias de Compliance. Nos casos mais elaborados, acompanha-se tudo isso por mensagens de vídeo ou outras formas de comunicação pessoal da gestão de topo.
Coloca-se, pois, a questão: apesar de todos os esforços, porque se continuam a verificar eventos de “non-Compliance” aparentemente cada vez mais graves? Poder-se-ia entender que uma cultura de cumprimento e conformidade fosse a base para a adequação e eficácia de um sistema de gestão de Compliance. Este seria influenciado, principalmente, pelas atitudes e conduta da gestão, bem como, pelo exercício do órgão de fiscalização (“tone from the top”). É uma cultura de Compliance que influencia os funcionários da empresa na importância que conferem à observância de regras e, desta forma, a sua disponibilidade para um comportamento adequado. Mas, segundo estudos recentes, cerca de 28% dos gestores portugueses consideram que se justifica contornar as normas para, dessa forma, conseguirem alcançar os objectivos financeiros (EY Global Fraud Survey de Abril 2016, p. 28 ).
Este fenómeno pode explicar a plausibilidade da recorrência de eventos “non-Compliance”. Mas mantém-se uma incógnita - o que motiva os quadros dirigentes das empresas a comportarem-se desta forma? Há quem aponte para a existência de um “dilema de Compliance” junto dos altos quadros executivos das empresas. Este dilema é de tal ordem material, que várias personalidades a ele se têm referido, ainda que indirectamente.
Assim, segundo Georg Gößwein, o gestor quer/deve:
a. Ser flexível /ser um empreendedor;
b. Dar confiança;
c. Inovar agilmente;
d. Inspirar;
e. Promover;
f. Controlar/regular pouco (poupar os recursos);
g. Fazer carreira (assumindo responsabilidades).
Por outro lado, o gestor pensa que o Compliance:
a. É rígido/impede resultados;
b. Demarca e gera desconfiança;
c. Excede-se em documentação,“desanima”;
d. Paralisa controlos/regula excessivamente;
e. É muito caro;
f. Coloca em risco a carreira;
g. Gera culpa e responsabilidade.
Face a esta dualidade, é compreensível que, apenas muito dificilmente, uma cultura de cumprimento possa vingar. Acresce que o “dilema de Compliance” dificulta a resposta à preocupação central dos órgãos da empresa, ou seja, a isenção de responsabilidade. Esta “exculpabilização” pretende ser alcançada através de uma delegação eficaz de responsabilidades. Parte importante dos que, desta forma, devem assumir responsabilidade são os executivos da empresa. Mas, para tal, é condição indispensável que as atitudes dos quadros dirigentes os habilitem a assumir capazmente tal dever. Todavia, atendendo ao “dilema de Compliance”, torna-se evidente uma contradição ou mesmo um conflito entre as atitudes dos gestores e as expectativas das instituições que representam. Importa, pois, analisar e compreender este conflito para, sendo possível, resolvê-lo.