José Leal, Visão online,

 

Homens que constroem muros como trincheiras têm pouca fé naqueles que ficam do lado de lá.

...

Assistimos hoje, comodamente sentados em sofás de salas de estar de classe média, ao risco de desmoronamento dessa União Europeia que durante as últimas décadas do seculo XX preencheu o que se poderia designar de «sonho europeu»; sociedades desenvolvidas, com baixos índices de pobreza, embandeiradas em supostos valores de solidariedade e de direitos universais da pessoa humana; de União alargada e paulatinamente expansionista, apoderou-se-lhe, em particular nos países fundadores e patriarcas, um euroceticismo existencial cujas causas se encontram no choque económico provocado pela crise financeira mundial ocorrida na primeira década do seculo XXI, e na depressão que se abateu sobre as gerações ativas, e em particular sobre as mais jovens; desencanto, desconserto, sem rumo, sem fé, sem futuro.

A União económica, dita Europeia, esteve sempre unida em razão dos interesses comerciais e financeiros dos seus membros, e menos em razão de uma estratégia de aproximação orientada pela partilha cultural, e de valores assentes numa efetiva União Europeia solidária. A União Europeia que conhecemos esteve sempre dividida pelas idiossincrasias ideológicas e culturais da história particular de cada nação.

A crise, dizem, desencadeada pelos refugiados, ou pela falta de reação das Nações Unidas e da própria Europa sobre os focos que despoletam a diáspora migratória, desesperada, e desumana, constituem o quadro geral do mundo onde vivemos; o processo de desenvolvimento económico e social tem sido construído através de estratégias de poder profundamente assimétricas, mediante estratagemas de protecionismo, de construção de protetorados, e de exploração através da tirania e do subdesenvolvimento humano. Referimo-nos à produção de desequilíbrio e precariedade, encapotados demasiadas vezes por campanhas de suposta solidariedade e altruísmo míope.

Todavia a história não acaba aqui. Do outro lado do oceano surgem homens cujo desejo de poder recupera velhos ilusionismos políticos de encantamento das massas. Na verdade, homens que constroem muros têm pouca fé naqueles que ficam do lado de lá! Da campanha politica e social «obamacare», assistimos ao risco de «trumpwallização» da política norte-americana; potencial símbolo da radicalização do mundo livre.

Homens que constroem muros esquecem que ao erigi-los lançam o mote para que outros, num outro momento, os erodam e esmoronem. Sim, porque tem sido sempre tempo de pensarmos, e agirmos, sobre o que podemos fazer com o que temos, não por cada um de nós, mas pelo sistema do qual fazemos parte. Mas como ouvimos dizer, e importa recuperar, não existem almoços grátis; a verdade é que pagamo-los sempre e no mínimo, em dobro, só não nos apercebemos de quando e como o fazemos.

É nesta tendência evolutiva, da filosofia do «obamacare» à «trumpwallização» das relações entre Estados que o «karma» sobre a esperança se sente como desesperança, mas que no fundo, bem lá na linha do horizonte se pressente a antevisão de um mundo que de algum modo, assim queremos acreditar, deverá ser mais justo e solidário para todos e para com os mais desfavorecidos.