Ana Clara Borrego, Jornal i online

Os pequenos comerciantes que mantenham os seus TPA (Terminais de Pagamento Automático) activos vão incorporar mais um custo de contexto num sector já cm grandes dificuldades para sobreviver.

A minha crónica de hoje pretende ser uma reflexão sobre a actuação, muitas vezes contraproducente do Estado, na ansiedade desmedida de arrecadar mais impostos.

É sobejamente sabido que o aumento de impostos, a partir de um montante aceitável e tolerável, não se consubstancia num aumento proporcional de receita cobrada, conduzindo, em algumas circunstâncias à sua diminuição, como defende desde 1974 Arthur Laffer. Diversas são as razões para essa desaceleração ou diminuição da receita cobrada, das quais realço aquelas que, na minha perspectiva, têm um efeito mais nefasto: quanto maior o tributo mais compensador é o risco de evasão e fraude fiscais (“o crime compensa”); asfixia os operadores económicos existentes, aumentando a sua taxa de mortalidade; desincentiva o surgimento de novos negócios e desvia para a clandestinidade muitos outros, contribuindo drasticamente para a economia paralela; quando se trata de aumentos nos impostos sobre o consumo, aquele tem tendência a diminuir.

Este efeito, que ficou conhecido como curva de Laffer, atualmente é de aceitação quase generalizada entre os economistas e comentadores económicos, contudo, em bom rigor, esta ideia já tinha acolhimento na filosofia tributária do Cardeal Richelieu, enquanto Ministro Principal de França no reinado de Luís III (século XVII), o qual defendia, a propósito da carga fiscal, que “Os súbditos são como mulas, que há que carregar tanto quanto possível, mas não tanto que rejeitem a carga”.

Por mais chocantes que nos possam parecer as palavras de Richelieu, elas indiciam que aquele governante, já no século XVII, sabia algo que aqueles que nos últimos anos têm sido detentores da pasta das finanças em Portugal, particularmente desde o início da crise económica, parecem ignorar, que é a existência de um limite a partir do qual a voracidade da cobrança se vira contra o cobrador.

Os últimos anos têm sido profícuos em políticas cujo objectivo é o aumento da receita tributária, que nem sempre têm atingindo esse objectivo, mas que, independentemente do seu mérito (ou não) na cobrança de impostos, como efeito secundário, algumas têm tido um resultado muito pouco saudável na economia, o que se apresenta como deveras preocupante.

Passemos, então ao que me levou a escrever sobre este tema: a nova redação (interpretativa) da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo, aprovada pelo Orçamento do Estado para 2016, a qual veio esclarecer que as comissões que os comerciantes pagam sobre os valores que recebem através de cartões de crédito e débito estão sujeita a imposto de selo, à taxa 4%.

Não obstante a legislação ser de final de março de 2016, a polémica só “estalou” recentemente nos meios de comunicação social, com a notícia de que a Redunicre vai passar a cobrar aos comerciantes aquela tributação, bem como a probabilidade de o grande retalho a vir a repercutir nos seus clientes (algo que fará sempre, explicitamente, ou não).

Um pequeno parênteses: a leitura do, muito, que se tem escrito nestes últimos dias sobre o assunto, em particular sobre quem suporta o imposto, permitiu-me denotar grande confusão sobre a estrutura do Código do Imposto de Selo, bem como sobre as suas regras de incidência: de facto a verba 17.3.4 não define quem deve suportar o imposto, como têm vindo alguns reclamar, mas a verdade é que não é suposto fazê-lo - o encargo do imposto está previsto no articulado do código e não na sua tabela geral; quanto ao encargo do imposto, nova confusão, com alguns a reclamarem que é sobre a Unicre que recai o encargo do imposto, pois é aquela empresa que está obrigada à sua entrega ao Estado; pois bem, o código do Imposto de Selo distingue, de forma inequívoca, duas figuras, por um lado, quem está obrigado à entrega do imposto ao Estado (neste caso é, de facto a Unicre); por outro, quem tem o encargo do imposto, e passo a citar o aplicável a este caso: “Nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas.”

Assim, a base da minha reflexão não é a “polémica” sobre a quem cabe o encargo do imposto, pois nisso o código é explícito. Os problemas consubstanciam-se nas consequências nocivas que a aplicação prática desta norma pode ter para a economia e para a própria cobrança na receita tributária para o Estado.

Deste modo, para além dos efeitos perniciosos que esta norma pode ter numa economia globalizada, muito dependente do “dinheiro electrónico”, bem como de outros efeitos indirectos, como a criação de mais uma tributação sobre o consumo, caso o grande retalho impute aos seus clientes este imposto, há um outro efeito, que por ser potenciador de consequências de tal forma negativas para o trabalho no terreno da Inspecção Tributária, não poderei deixar de o referir:

Os pequenos comerciantes que mantenham os seus TPA (Terminais de Pagamento Automático) activos vão incorporar mais um custo de contexto num sector já cm grandes dificuldades para sobreviver.

Consequentemente, muitos pequenos comerciantes e prestadores de serviços vão deixar de ter disponíveis os pagamentos através de cartões, passando a dominar o pagamento a dinheiro neste sector. O Estado pouco imposto irá receber relativamente ao uso de cartões no pequeno comércio e serviços, por desativação dos TPA, em simultâneo, com a descativação dos terminais,  “mata” aquela que é uma ferramenta fundamental da Inspecção Tributária na detecção de subfacturação neste sector, isto é, a comparação dos apuramentos diários/facturação diária com os valores diários dos TPA, e realço as  consequências que daí advém para a cobrança de IVA e tributação sobre o rendimento.

Não tenho dúvidas de que, a manter-se esta tributação nos moldes legislados, em particular no pequeno comércio e serviços, o efeito negativo extravasa a incapacidade do Estado para cobrança daquele imposto, aumentando a fuga a outros impostos, em particular no caso do IVA.