Orlando Mascarenhas, Jornal i online

A criminalidade económico-financeira, traduz-se por ser uma ameaça, identificada na Estratégia de Segurança Interna da União Europeia, e nas suas variadas formas possui tendência para ocorrer onde se consiga o maior benefício financeiro com o menor risco.

Desde o final dos anos 90 do século passado, passamos a ver incluído no nosso quotidiano mediático, em diversas formas do discurso dos responsáveis institucionais, programas anunciados de combate à criminalidade económico-financeira.

Contemporâneo com estes discursos, surge o fenómeno da globalização e das suas interferências com os fluxos criminais transnacionais, que de alguma forma subverte o Estado-Nação, destabilizando-o, num conjunto de contextos submetidos à influência do crime transnacional.

A Conferência Ministerial Mundial sobre o Crime Organizado Transnacional, que se realizou em Nápoles no ano de 1994, referenciou um conjunto de atividades, ligadas à prática de crimes, que se caracterizam por se desenvolverem de forma coletiva, organizada e numa base de complementaridade e coordenação.

Tal como na globalização económica, a criminalidade global procura atingir o maior lucro possível, acondicionando-se aos diversos setores de atividade produtivo de um Estado, meio pelo qual recicla e “lava” as enormes receitas produzidas pela prática das atividades ilícitas. Realçam-se as atividades criminais do tráfico de seres humanos, tráfico de estupefacientes, tráfico de armas, da corrupção e das mais variadas fraudes económico-financeiras. Escobar, numa obra publicada no ano de 2009, diz o seguinte: “… ser mais esperto que as forças da lei, requer a cooperação de muita gente. E muito dinheiro. Cada pessoa que lida com o mercado da droga (cocaína) recebe uma grande quantidade de dinheiro. Em determinado ponto, por exemplo, porque muitas pessoas precisam de ser pagas, a quantidade mínima que se podia transportar em cada voo era de 300 quilogramas de cocaína (cujo valor ronda os 12 milhões de dólares), tudo que fosse abaixo deste valor resultaria em perdas” .

Contudo, coloca-se aqui uma questão fundamental e metodológica, que é a de saber do que estamos a falar quando utilizamos a designação de criminalidade económico-financeira.

Apenas no início dos anos 40 do séc. XX é que se passou a dar alguma atenção a esta problemática criminal. O responsável por tal desiderato, Edwin Sutherland, numa conferência realizada na American Sociological Society, chamou a atenção do mundo para aquilo que designou como sendo o crime das elites, isto é, o vulgarmente designado crime de “colarinho branco” – White Colour Crime. Caracterizou-o como sendo um tipo de crime em que se realçava o elevado estatuto social e a grande respeitabilidade do indivíduo que o praticava.

Apesar de para a comunidade científica e académica o fenómeno da criminalidade económico-financeiro tenha apenas surgido nesta primeira metade do séc. XX, onde também um outro autor, Edward Ross, no ano de 1907, alertou para aquele que, sendo poderoso, prospera por meios de exploração abusiva dos outros e manipulação dos mercados, de forma a maximizar os seus lucros, procurando ao mesmo tempo manter uma imagem pública de respeitabilidade, a condenação para atos ligados a práticas semelhantes já existem desde épocas remotas. Na Bíblia, bem como em outros textos religiosos muito antigos, verificam-se alusões à condenação de atitudes ligadas à exploração abusiva dos negócios, à corrupção e prejuízo do bem comum por parte de agentes munidos de autoridade pública; Aristóteles, no séc. IV a.c., escreveu sobre desvios de fundos pelos comissários do Estado e outros oficiais administrativos; segundo a constituição Ateniense, o roubo de dinheiro público era considerado um crime.

No ano de 1996, vários especialistas em Criminologia, acertaram uma definição de “colarinho branco”, como sendo, “atos ilegais e não éticos, que violam a confiança, cometidos por um indivíduo ou uma organização, normalmente no decurso de atividades profissionais, por pessoas de grande prestígio e respeitáveis, para obtenção de ganhos pessoais ou organizacionais” .

Ao analisarem-se as diversas definições que se encontram para a terminologia de “crime de colarinho branco”, realçam-se seis elementos essenciais – desenvolve-se na vida económica; usa processos astutos e tecnologias modernas; exige conhecimentos profissionais económicos, comerciais ou financeiros; pretende o enriquecimento ou a resolução de um problema económico importante; fragiliza a credibilidade e a segurança de certos setores económicos; provoca danos e prejuízos.

Num sentido estrito, o uso e utilização do termo “colarinho branco”, aponta para características individuais dos infratores, isto é, o seu elevado estatuto económico-social. Contudo, na imensa panóplia de crimes agregados e conexos sob a expressão “colarinho branco”, encontram-se vários tipos que usualmente são praticados por indivíduos de estatuto social baixo ou médio, pelo que, se defende a utilização de um termo liberto de fatores de caracterização individual e mais centrada na natureza económico-financeira dos atos e dos resultados, ou seja, crime económico-financeiro, que se caracteriza por habitualmente ser complexo e surgir camuflado entre atividades lícitas, como também, surge ligado a outras atividades ilícitas, tais como todas aquelas que anteriormente foram já referenciadas na Conferência Mundial sobre o Crime Organizado Transnacional, sendo o produto de grande inteligência e preparação.

Nas sociedades contemporâneas, a ideia de sucesso encontra-se ligada ao lucro material. Normalmente alia interesse económico com neutralização da visão negativa do comportamento. Possui uma componente individual e uma componente social. A individual visa alcançar os objetivos pessoais, assenta numa análise de custo e benefício da oportunidade. Quanto à componente social, esta responde a uma pressão da organização ou do meio social, tais como, objetivos exagerados de resultados, cultura do êxito e do sucesso através da posse de bens materiais, ou então, de uma concorrência exacerbada do mercado.

Durante muito tempo, a criminalidade económico-financeira foi negligenciada pela sociedade, nas suas mais variadas estruturas. Porém, nos últimos 60 anos, a atitude do “mundo” mudou relativamente a este tipo de fenómeno criminal. Algumas e diversas circunstâncias, concorreram para que a sociedade passasse a atribuir uma maior relevância a este tipo de factualidade criminal – uma sucessão de crises económicas e financeiras, associadas a vários casos de fraude e corrupção que se globalizaram e afetaram a vida corrente das pessoas; a maior restrição de disponibilidade de recursos públicos aumentou a atenção dos contribuintes para a escolha pública; a desregulação de diversas atividades e a privatização de setores sensíveis, tais como o financeiro, multiplicaram as oportunidades para o ato ilícito, potenciando muitos escândalos, que acentuaram a reação da opinião pública contra aqueles que de alguma forma praticam a criminalidade económico-financeira; o decréscimo crescente da confiança no sistema democrático, associado também à corrupção, à fraude e à incapacidade dos políticos para lidar com as diversas formas de criminalidade económico-financeira, criou uma motivação para que se atue mais eficazmente no seu combate; a crise financeira iniciada em 2008, alertou a consciência mundial contra este tipo de ilícitos criminais, pois as vítimas tomaram consciência de efetivamente o serem, isto é, todos nós somos vítimas, pois os dados revelaram-se de forma excecional.

Se pensarmos um pouco nos efeitos em que, em termos de perda de vidas humanas e de outros tipos de danos que advém da adulteração de medicamentos, de produtos alimentares e de produtos das indústria transformadora, de tratamentos médicos desapropriados, dos efeitos da contaminação ambiental, as depressões e suicídios despoletados pelo desemprego, e outras mais situações bem gravosas, podemos tomar consciência do impacto nefasto que a prática da criminalidade económico-financeira tem na vida da sociedade. Diversos especialistas no estudo do crime económico-financeiro, são consensuais em admitir que os danos e prejuízos deste tipo de crime são avultadíssimos, considerando, na globalidade, como a atividade criminosa mais danosa de todas.

Quanto a este tipo de criminalidade, de alguma forma, todos nós, estamos habituados a ser vítimas com danos muito reduzidos para cada um, apesar de que, quando somados, serem muito elevados. Com frequência não é possível identificar as vítimas, ou estas não possuem consciência de efetivamente o serem. Vejamos o exemplo da fuga aos impostos, onde se diminui a receita do Estado e, como consequência, origina um mau fornecimento de serviços por parte do Estado, que vão desde a saúde, à educação, à ação social, ou à segurança física das pessoas.

Por outro lado, a proliferação de comportamentos criminais sem punições, leva a uma quebra de confiança na relação entre as pessoas, podendo provocar uma sobreposição global dos comportamentos criminais à lei e à virtude.
Neste ponto, encontramo-nos perante uma matriz que se caracteriza, por um lado, a prática da criminalidade económico-financeira procura a obtenção de ganhos pessoais ou organizacionais, ou melhor, o lucro, provoca danos elevadíssimos, e por outro, potencia a desorganização social, podendo mesmo levar à sua fragmentação.

Chegados a este ponto, questiona-se. Como é que o Estado, através dos seus diversos instrumentos de controlo social, em particular com o seu mecanismo penal, tem agido perante este problema?

Constata-se que a reação penal tem estado centrada na sanção a aplicar aquele que pratica o ato criminal, ignorando-se ou mesmo desprezando-se a perda ou confisco, quer dos instrumentos, quer dos bens e produtos gerados pela conduta criminosa, como fatores essenciais de combate a formas de criminalidade com expressão económico-financeira.
Tal perda, alicerça interesses como os da prevenção, geral e especial, impede o investimento de ganhos ilegais no cometimento de novos crimes, reduz o risco de intervenção na economia lícita e, reforça o princípio de que o “Crime não Compensa”.

Para o efeito, é fundamental a fixação de procedimentos, quer de âmbito legislativo quer de práticas de investigação criminal, que maximize o efeito pretendido, isto é, privar o agente do crime do produto ou vantagem, direto ou indireto, dele adveniente, bem como dos seus frutos.

Um relatório elaborado pela Europol em 2011, evidencia o branqueamento de capitais e a identificação de ativos, relacionados com a prática de atividades delituosas, como temáticas de relevo no futuro das investigações económico-financeiras. Realça-se também a importância que a componente económico-financeira possui na globalidade da criminalidade praticada, sublinhando-se a existência de indicadores que apontam para que 70% do total da criminalidade é aquisitiva, ou seja, a maioria dos casos investigados pelo aparelho securitário do Estado, possui um denominador comum – um motivo financeiro para a prática do crime.

Seguir o percurso do dinheiro, permite chegar aqueles que cometem os atos delituosos, potencia a quebra de laços nas suas associações criminosas e torna possível o confisco das vantagens do crime.

Este tipo de abordagem, permite atacar a base económica do empreendimento criminal e previne que vantagens ilegais sejam reinvestidas em atividades criminais subsequentes.

A criminalidade económico-financeira, traduz-se por ser uma ameaça, identificada na Estratégia de Segurança Interna da União Europeia, e nas suas variadas formas possui tendência para ocorrer onde se consiga o maior benefício financeiro com o menor risco.

Os lucros vindos desta enorme atividade criminal aquisitiva, são habitualmente injetados na economia, contaminando a confiança dos cidadãos, sendo de todo fundamental prevenir a prática desta criminalidade, interromper as redes criminais e combater os incentivos financeiros que derivam destas.