José António Moreira, Jornal i online

Não há responsáveis. Nunca há. Nem os sucessivos governos, que puseram e dispuseram da instituição; nem os muitos administradores que por lá passaram; nem a Assembleia da República, que nunca é capaz de apurar responsabilidades; nem os auditores, que encontram sempre a fórmula literária que permite descartar responsabilidades

Recentemente, os portugueses levaram mais uma dose de anestesia para defrontarem calmamente o caso Caixa Geral de Depósitos (CGD). A informação vinda a público, aparentemente resultante de uma fuga, referia que as contas da instituição deste ano vão apresentar um prejuízo superior a 3 mil milhões de euros. Não deu brado. Aliás, passou quase despercebida, apesar de, para uma população de cerca de 10 milhões de habitantes, tal montante significar que cada um terá mais 300 euros a pagar, sem saber o quê, nem porquê.

A ocorrência desse prejuízo neste momento do tempo merece-me duas breves considerações.

Primeira, é a aplicação do cânone que qualquer gestor que se preze não desconhece. Quando se entra limpa-se a casa, varre-se debaixo do tapete, põe-se à luz do dia todo o lixo aí escondido. Uma ação que na literatura anglo-saxónica da especialidade se denomina como “bigbath”. Cria-se espaço para responsabilizar a administração cessante e, simultaneamente, deixa-se o caminho aplanado para que, pelo menos nos primeiros tempos, a nova gestão possa apresentar resultados brilhantes. Mais, não é fora do comum se nessa limpeza se varrer mais do que apenas o lixo, favorecendo ainda mais o aparecimento futuro de bons resultados, quando se voltar a colocar no sítio as “moedas” que foram varridas juntamente com esse lixo. O que verdadeiramente destoa neste caso de manipulação dos resultados é que, em geral, não se admite que este tipo de coisas aconteça em empresas estatais.

Segunda consideração respeita à auditoria. Tendo presente que as contas da CGD eram auditadas anualmente, seria de esperar encontrar no parecer dos auditores reservas quanto à qualidade das mesmas, tendo em conta o lixo existente nos ativos reportados no balanço da instituição. Não se encontra. Veja-seo relatório de 2015, por exemplo. Uma pequena ênfase (um “pecado venial”), referindo apenas que à data das contas a CGD observava os rácios de liquidez exigidos, mas que “face às crescentes exigências regulamentares de capital” – algo que seria da responsabilidade de terceiros – ela poderia vir no futuro a necessitar de capital adicional. Como cidadão, pergunto: senhores auditores, que análise é essa que fazem às contas que lhes permite dizer que está tudo bem num ano, e no seguinte ir repetir a mesma opinião face a perdas de milhares de milhões? Estão a brincar com os utilizadores da informação, no mínimo.

Não há responsáveis. Nunca há. Nem os sucessivos governos, que puseram e dispuseram da instituição; nem os muitos administradores que por lá passaram; nem a Assembleia da República, que com as sucessivas chicanas políticas nunca é capaz de apurar responsabilidades; nem os auditores, que encontram sempre a fórmula literária adequada que permite descartar responsabilidades e nada dizer do que se passa.

Sobram os contribuintes, que não sendo tidos nem achados – muitos sem sequer são clientes da CGD – recebem a fatura para pagar na hora que alguém julga mais apropriada. Alguém que nem sequer se digna fazer constar dessa fatura o que eles estão efetivamente a pagar.

A raiva e impotência sobrevêm quando se pensa no caso.