Óscar Afonso, Público online,

 

Na crónica de hoje pretendo analisar a correlação entre corrupção e crescimento económico, tendo por base o caso português. Em 2013, o Banco Mundial considerou a corrupção como sendo um fenómeno gerador de desigualdades, na sequência da falta de impacialidade na administração pública, motivada, por exemplo, pelo processo burocrático, por políticas de influências e por subornos. Nesse contexto, a corrupção vicia desde logo a concorrência ao implicar o uso de bens e cargos públicos para benefícios particulares.

A este propósito, o índice de percepção da corrupção, da Transparency International, ordena os países do mundo de acordo com “o grau em que a corrupção é percebida existir entre os funcionários públicos e políticos”, definindo a corrupção como “o abuso do poder confiado para fins privados”. Os resultados para 2015, por exemplo, mostram que 113 países, dos 167 analisados, possuem um índice de menos de 5 pontos numa escala de 0 (país muito corrupto) a 10 (país não corrupto) e que nenhum país está imune à corrupção.

Por outro lado, é consensual na literatura do crescimento económico considerar que o crescimento económico sustentado decorre essencialmente de cinco factores: (i) da poupança, que permite acumular capital físico em fábricas e equipamentos; (ii) do progresso tecnológico, que aumenta a produtividade; (iii) da taxa de natalidade, que garante a mão-de-obra necessária para a produção; (iv) da educação, que melhora o nível de capital humano; (v) da qualidade das instituições, que pode incentivar o empreendedorismo, uma gestão mais eficiente, a concorrência e, assim, a correcta afectação dos recursos e a eliminação do lobbying. No processo de crescimento, o bom funcionamento das instituições, dependente da qualidade institucional, tem sido progressivamente valorizado, sendo que esse bom funcionamento requer, obviamente, ausência de corrupção, regulações flexíveis e sistemas legais eficientes.

No que toca à relação corrupção-crescimento, há literatura que considera existir uma relação positiva entre essas variáveis. Para esta literatura, a corrupção ilimina entraves ao desenvolvimento de projectos e a políticas promotores de crescimento. Neste contexto, a corrupção é apresentada como sendo um incentivo à eficiência e como ajudante de melhores serviços governamentais. A maioria da literatura, no entanto, critica esse ponto de vista, considerando que o impacto positivo apenas ocorre no curto prazo, sendo que, no longo prazo, o impacto é bem negativo, devido, no essencial, ao impacto negativo sobre: (i) o nível e a qualidade do investimento; (ii) o sistema de impostos, aumentando os custos de manobra das actividades governamentais e, portanto, reduzindo os recursos estatais disponíveis para investimento; (iii) o capital humano, já que a corrupção reduz os retornos da actividade produtiva e os recursos para educação; (iv) a estabilidade política, afectando, por exemplo, o nível de investimento em geral e do investimento directo estrangeiro em particular, o que reduz as oportunidade de emprego e, assim, o nível da actividade. Acresce que a corrupção, funcionando como uma taxa de pagamento a burocratas (suborno) para obter serviços públicos que ignorem o cumprimentos de regras obrigatórias, fornece margem de manobra a empresários ineficientes, cria desigualdade de oportunidades, perpetua políticas ineficazes e reduz, como já se referiu, as receitas do Estado.

Além disso, limita a democracia porque gera desconfiança, afasta representantes e representados, enfraquece os laços de solidariedade e de respeito mútuo entre cidadãos e entre este e seus representantes, pelo que, para os eleitores “qualquer um serve porque todos são iguais”, o que estabelece um clima de passividade face à coisa pública e às decisões políticas. Tende também a prejudicar as gerações futuras e a dignidade da pessoa humana porque pode desviar recursos financeiros que deveriam ser afectos a prestações sociais da responsabilidade do Estado e a investimento produtivo, logo a crescimento económico. Em suma, a literatura dominante aponta para que a corrupção afecta negativamente o crescimento e, por consequência, o desenvolvimento das economias.

Olhando para o caso português e fazendo o exercício (muito) simplista de considerar o índice de percepção da corrupção como variável explicativa da taxa de crescimento real do PIB, entre 1995 e 2015, conclui-se que há efectivamente um impacto negativo e estatísticamente significativo da corrupção sobre o crescimento económico. Em média e com tudo mais constante, um aumento de um ponto no índice de percepção da corrupção (i.e., uma diminuição na percepção da corrupção) aumenta a taxa de crescimento em 0.3 pontos, sendo, por isso, o impacto muito relevante.

Curioso, estranho até, é o facto do andamento da série índice de percepção da corrupção em Portugal revelar que a corrupção não tem estado na lista de prioridades dos sucessivos governos, já que o índice revela uma tendência decrescente no período 1995-2015, indicando, portanto, uma percepção de corrupção crescente, ao contrário daquilo que seria expectável. Ou seja, aparentemente (as poucas) estratégias anticorrupção em Portugal não tiveram efectivamente sucesso por serem insuficientes e porque a aparente corrupção disseminada a nível estatal mina os (fracos) esforços para a promoção do desenvolvimento e da qualidade governativa.

Face ao sinal e à dimensão do impacto da corrupção no crescimento em Portugal, creio que a sua prevenção e combate são prioritários para construir uma economia mais sustentável e inclusiva, promotora de um ambiente empresarial competitivo que torne possíveis ganhos de longo prazo. Para o efeito parece-me ser necessária uma abordagem sistémica e integrada da problemática da corrupção que acomode o(s) governo(s), o sector privado, os media, as organizações da sociedade civil e a população. A nível internacional, os governos – e portanto também o governo português – devem acordar convenções, a exemplo da convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional e a convenção da OECD para o combate à corrupção de oficiais públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais. A nível nacional, os sucessivos governos devem, desde logo, ter vontade política para estimular reformas legislativas para a luta contra a corrupção, atender a uma política de rendimentos que acomode a meritocracia e implementar uma cultura de excelência na função pública, de modo a combater todas as janelas de oportunidade que os processos burocráticos e operacionais do Estado deixam em aberto. No sector privado, as empresas, por exemplo, devem adoptar uma atitude de tolerância zero em relação à corrupção. Os media devem controlar o envolvimento dos sucessivos governos e do sector privado nas práticas de corrupção, e devem informar o público, denunciando os casos de corrupção. Por sua vez, a sociedade civil e respectivas organizações podem consciencializar a população e exercer pressão para o combate à corrupção por parte das entidades competentes.