Ricardo Nunes da Fonseca, Visão online,

 

A criminologia e a economia emaranham-se num antro complexo de estudo destas relações, onde a fraude, a burla, o branqueamento, o roubo, a corrupção, o peculato, o tráfico, o enriquecimento ou o financiamento ilícito, entre tantos outros tipos de crime ocupam um lugar dinâmico e disseminado na sociedade.

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A criminologia é uma ciência que não se esgota em si mesma, catapulta para outras áreas saberes e instrumentos frutíferos ao mesmo tempo que bebe dos domínios nos quais envereda.

Isto para dizer que quanto mais dá de si mais abarca na sua ciência. E, é aqui, que a criminologia e a economia se encontram, num caminho simbiótico, no qual se complementam e se debruçam em novas demandas na investigação da criminalidade económico-financeira.

Sendo generalista, nos cursos de criminologia aborda-se mais a economia em termos amplamente vinculativos, ou seja, numa relação virada para o sujeito e não de uma relação progressivamente causal dos trâmites e mecanismos do crime em si.

Qual a diferença? Ora, o desejo do ser humano pode ser imensurável, contudo, o dinheiro e o poder são os pilares basilares de uma, alegada, saciedade social e profissional. Daí a economia ser uma abordagem casual e não um objeto em estudo para muitos investigadores na área criminal, visto que a tónica assenta no vaivém criminal entre a escassez de recursos e as aspirações competitivas inerentes à vida em sociedade, esquecendo as interações que a economia tem atrás dessas cortinas.

A centralidade da criminologia nesse campo assenta nesse indivíduo que deambula entre as oportunidades e as tomadas de decisões, especialmente no campo ilícito. A economia aparece quando essa escolha é percecionada.

Embora esse paradigma de investigação tenha vindo a mudar para explorar as sinuosidades da economia antes, durante e após o crime, não apenas no criminoso em si, ainda existe alguma dificuldade em estudar a economia aplicada à criminologia no seu campo correlacional entre o tipo legal de crime e o seu impacto multifacetado.

Quando o fenómeno a estudar assenta no individuo, a vertente económica envolve benefícios e custos, no qual presume a racionalidade desse sujeito no cálculo da importância em cometer o crime e as variáveis passíveis de serem tomadas em conta. Contudo, o fenómeno e a atividade inerente ao mecanismo criminal na sua especificidade são analisados como elementos paralelos e não como um aglomerado de elementos multidirecionais.

O foco apenas no sujeito criminoso inviabiliza ver as especificidades da criminalidade porque o ser humano, assim como a prática do crime, têm uma capacidade adaptativa e transformativa bastante eficiente. Se por um lado temos o individuo com objetivos económicos, por outro temos o tipo ou a conduta de crime que o auxilia nessa finalidade.

Isto para dizer que não se deve descurar o plano colateral do crime, não basta investigar ou estudar o criminoso e o que está nas suas motivações mas, também, no porquê daquele tipo de crime ser, digamos, requisitado, nas razões ou nas ramificações que este tem e promove o seu recurso.

Vejamos, numa situação de terrorismo o produto final centra-se, à partida, em um impacto preponderante com motivações ideológicas numa comunidade. Por detrás dessa conduta de “terror” existe todo um mecanismo económico, desde o tráfico até ao financiamento ilícito e, posteriormente, numa desestabilização político-económica que, não raras vezes, passa despercebida à população. O crime e a economia não são etapas, nem elementos procedimentares, são toda uma escalada gradativa de complementaridade com causa-efeito.

O terrorismo interage com demasiados círculos económicos para ser só centralizado nas motivações que o movem. Existe uma panóplia de organizações criminosas, classes políticas, grupos privados ou interesses multifacetados que beneficiam ou sustentam essa conduta terrorista em prol da sua manutenção ou ingerência económica, seja na angariação de fundos como no poder de interferir.

Diz o ditado que “A fé move montanhas” mas o dinheiro também as move, mais rapidamente até, aliás, não é novidade que a máfia napolitana é mais célere e eficiente a descarregar e a gerir mercadorias no porto de Nápoles do que a própria instituição encarregada dessa atividade.

A exemplo temos a Itália e as suas organizações criminosas que, tantas vezes, entram no nosso imaginário como os gangsters de Al Capone, porém, o cenário é bem mais complexo do que aquilo que o senso comum dita.

Se outrora havia a ideia do Chefão que comandava uma rede organizada com linhagens de sangue e pactos, agora estas organizações são uma sociedade anónima flexível que gere bens e serviços, não fosse a sua conduta ilícita, seria uma empresa como tantas outras, apenas com mais poder económico.

O liberalismo que esteve no background das novas tendências comerciais e na sua desregulamentação fortaleceu estas organizações criminosas e enfraqueceu os que deveriam combatê-las. Este mundo comercial, envolvido dos seus círculos económico-financeiros, coopera hoje com estas organizações por necessidade, por subcontratação ou por pressão.

Deste modo, a criminalidade organizada já não vive à sombra do submundo criminal, está infiltrada na economia legal, seja mesclada na bolsa pelos sindicatos do crime da Yakuza, nas empresas camarárias como a máfia napolitana, na prestação de serviços e tráfico como os carteis mexicanos e colombianos, no manietar politico e no controlo de fluxos comerciais por parte de organizações criminosas russas e, até mesmo, dentro de partidos e serviços sociais pelo Hezbollah.

Com isto, a criminologia e a economia emaranham-se num antro complexo de estudo destas relações, onde a fraude, a burla, o branqueamento, o roubo, a corrupção, o peculato, o tráfico, o enriquecimento ou o financiamento ilícito, entre tantos outros tipos de crime ocupam um lugar dinâmico e disseminado na sociedade.

Se viramos o foco para os países menos desenvolvidos ou em estado de conflito, podemos verificar uma criminalidade camuflada em interesses político-económicos que é quase impercetível sob a alçada de intervenções externas.

O envenenamento de poços no leste da Europa e no Médio Oriente tem um impacto tão significativo na vida das populações que, na ausência da preocupação ou de mecanismos eficientes do Governo, são as redes criminosas que vêm em auxílio, não por uma sensibilidade humanitária mas pela hegemonia do lucro ao poder que advém dessa ação.

Novamente a máfia napolitana também serve como exemplo e, a demonstrar quão a economia e a criminologia estão vinculadas, desta vez na área do lixo industrial. Após entender que lucravam mais em controlar esse setor em vez de extorquir por proteção aos transportadores de lixo, a organização criminosa abriu empresas nesse domínio, obviamente a coletar esses resíduos tóxicos por um preço bastante inferior que as restantes firmas e deixando os camiões nos centros de tratamento o tempo suficiente para falsificar os documentos e, posteriormente, despejar esse lixo como não-tóxico em zonas de aterro, tanto faz se fosse no mar ou em plantações agrícolas.

Ora, esta conduta criminal e prejudicial ao meio, posteriormente, refletiu-se no setor agrário e no poder exportador do país, tendo um aumento exponencial de problemáticas na saúde pública e no mercado internacional italiano.

Quem ganhou? Tanto a máfia como as indústrias, a primeira pelo controlo do setor e a segunda pela despesa baixa no tratamento dos seus resíduos. Transformando essa atividade num negócio lucrativo, a política praticada pela máfia deu lugar a uma grande crise no setor, na qual teve que haver uma intervenção tanto policial como política.

Outras organizações tiveram, a seu jeito, uma maior “sensibilidade” no que diz respeito ao tráfico de lixo tóxico no seu país e optaram por remeter carregamentos desses resíduos para a Somália, prejudicando uma sociedade onde já sobram problemas.

Depois estão em cima da mesa os típicos negócios ilícitos perpetuados por vários agentes como o tráfico de armas, de droga e de pessoas que movimentam inúmeros fluxos financeiros. Ilustrando esta multiplicidade crimino-económica, no Quénia, outrora, uma arma Kalashnikov valia 15 vacas, atualmente, com o forte contrabando, passou a custar apenas 4.

Daí, muitas organizações ou sujeitos criminosos têm mais dificuldade em branquear os seus lucros que, propriamente, a obter dinheiro. O que os Governos perdem em impostos, mesmo em produtos legais, é avassalador.

O criminoso organizado é excelente na sua atividade: disponibiliza produtos difíceis de obter por mercados legais ou pelo contrabando e a contrafação oferece o produto legal a preços inferiores.

Por conseguinte, pela minha experiência na área da criminalidade organizada e terrorismo encontrei um novo mundo para além do que tinha estudado quando me deparei com a economia, economia esta aplicada, não ao individuo na sua perspetiva de atuação, mas às redes de indivíduos que procuram no lucro e no poder tanto o seu meio como a sua finalidade.

Pode parecer óbvia esta relação, contudo a vertente económico-financeira aplicada à criminologia não é tão explorada como se pensa, é preciso conhecer para entender e examinar para prevenir.

A grosso modo, a criminologia envereda na compreensão desses fenómenos mas, à luz dos novos tempos, é vital estar mais consciente da influência da, digamos, economia criminal e politica que envolve os mercados porque as esferas do poder e da economia influenciam constantemente o crime e interagem mutuamente, ora em beneficio, ora em detrimento dessa relação.

Não devemos prender-nos apenas à economia como mera estatística porque as médias nos diversos casos criminais e teorias vale enquanto a exceção não faz a regra, muitas vezes, deixando transparecer que os “números” são um bicho que nasce num relatório estatístico. É necessário fazer jus à multidisciplinaridade que a criminologia tão bem reúne na sua ciência e ir além daquilo que colocam diante de nós, não só compreendendo como tecendo novas investigações em áreas para as quais não estamos academicamente preparados.

A economia está presente no crime e deixa-nos cair numa teia de tipologias de crime que convergem e interagem entre si, nela a criminologia encontra um apoio fundamental para explorar e traduzir os meandros, procedimentos e impactos inerentes à criminalidade nas suas diversas direções.

Entre a criminologia e a economia ninguém é subjugado, embora tão mais valor e resultados quando combinadas numa abordagem holística do fenómeno criminal.