José António Moreira, Jornal i online
Há dias o Governo português propôs majorar em 10% o subsídio a atribuir às empresas e municípios relativamente ao investimento que seja efetuado em 2016.
Uma das estratégias de “criatividade contabilística” que as entidades empresariais têm ao dispor para, dentro da legalidade contabilística, poderem afetar positivamente o resultado do período é a “antecipação de vendas”. Com base em descontos, ou condições de pagamento mais alargado, campanhas agressivas em final de ano tendem a antecipar o futuro, trazendo para o mês de dezembro vendas que, sem essas medidas, tenderiam a acontecer no novo ano.
Dois efeitos principais: o resultado do ano cresce, por via desse aumento de vendas; o resultado do ano seguinte é afetado negativamente, porque as vendas que foram antecipadas deixam de para ele contribuir. Ou seja, no ano da manipulação mostra-se uma imagem (artificiosamente) melhor do desempenho da entidade; no ano seguinte, salvo qualquer outro impacto que afete positivamente o resultado, o desempenho será, efetivamente, pior.
Há dias o Governo português propôs majorar em 10% o subsídio a atribuir às empresas e municípios relativamente ao investimento que seja efetuado em 2016. O objetivo é antecipar para o ano corrente os efeitos económicos do investimento programado para o(s) ano(s) seguintes. A medida tem subjacente o mesmo tipo de manipulação acima referida: a antecipação para o presente de efeitos que de outro modo ocorreriam no futuro.
Pode argumentar-se que a medida é passível de criar efeitos económicos multiplicativos que conduzirão a mais investimento no futuro próximo. É possível, mas pouco provável, dado que os planos de investimento das empresas (e municípios) são pensados, supostamente, numa perspetiva de médio e longo prazo. O mais provável é levar a uma mera antecipação do investimento, a exemplo do que aconteceu quando o anterior executivo, em 2013, viacrédito fiscal extraordinário, procurou antecipar investimento para o segundo semestre desse ano.
O efeito corrente das antecipações passadas é, porventura, um dos problemas principais com que a Economia Portuguesa actualmente se debate. De há muitos anos a esta parte que se tem sistematicamente procurado “puxar” para o presente o que devia ser atividade económica futura. A prova mais visível deste tipo de atuação é o elevado endividamento do Estado, das famílias e das empresas.
Criou-se um ciclo vicioso. Antecipa-se hoje,procurando tapar os “buracos” (ao nível da atividade económica) que resultam do consumo/investimento antecipado no passado; daí resultam novas e acrescidas necessidades de antecipação em períodos futuros.
Esta estratégia tem limites, sendo impossível viverem permanência o futuro no presente. Tem de ser outra a política de fomento do crescimento económico, uma em que a criatividade dos agentes económicos substitua todo o tipo de “criatividade contabilística”.