Orlando Mascarenhas, Jornal i online
Os Estados, na generalidade, de alguma forma atuam como que em conluio com estas práticas de branqueamento de capitais nos centros financeiros offshore
Nos últimos tempos, através dos órgãos de comunicação social, os cidadãos tiveram oportunidade de ficar a conhecer um pouco do mundo obscuro que os centros financeiros offshore potenciam. Quer seja através do Consórcio Internacional de Jornalistas e órgãos de comunicação social associados ao mesmo ou da cadeia televisiva britânica BBC, os milhares de milhões de euros, dólares, ienes, yuan ou qualquer outra moeda, que através dos centros financeiros offshore são ocultados, camuflados, dissimulados e transacionados, foram de alguma forma expostos. O termo “PanamaPapers” passou a fazer parte do léxico alusivo a estes factos.
Perante toda esta exposição mediática, associado ao facto de há já mais de uma década que estes assuntos são levados à atenção dos políticos a nível global, coloca-se uma pergunta fundamental, a de saber o porquê de os centros financeiros offshore continuarem a ser explorados pelos criminosos.
Tentemos encontrar uma possível resposta a esta questão.
Os diferentes e diversificados estudos a nível internacional, bem como, os encontros políticos a alto nível ocorridos em Londresna cimeira de 2009 do G20 sob o tema dos mercados financeiros e da economia mundial, e a conferência internacional nas ilhas Caimão da FATF/CFATC (Financial ActionTask Force / Caribbean Financial ActionTask Force), têm sido impulsionadores do reinicio do debate sobre a utilização dos centros financeiros offshore, neste século XXI, não só para fins de evasão fiscal mas também para os criminosos branquearem os proventos dos crimes.
De uma forma generalista, podemos dizer que o grande benefício do branqueamento de capitais traduz-se na aparência legítima do dinheiro que deriva das atividades criminosas. O branqueamento de capitais fornece aos proventos do crime uma fachada de legitimidade, o que permite a sua mistura, de forma anónima, com capitais lícitos no setor financeiro global.
Especificamente, aquilo que mais atrai os criminosos para os centros financeiros offshore e utilizar estes para o branqueamento de capitais é o seu carácter de elevado secretismo. Os instrumentos de confidencialidade bancária protegem aqueles que branqueiam os proventos dos crimes de serem investigados, sendo a confidencialidade dos titulares das contas bancárias asseguradaem muitos dos centros financeiros offshore.
Sabendo-se que a atividade de branqueamento de capitais se caracteriza como sendo uma ação escondida que só se revela quando é detetada, e nesse ponto, todo o dinheiro branqueado pode vir com sucesso a ser confiscado, percebe-se o quanto é importante o acesso aos registos bancários, para se tornar possível identificar, detetar e confiscar os proventos das atividades criminosas. Em muitos destes centros financeiros offshore, as barreiras legislativas construídas para garantir o dever de confidencialidade, são de tal maneira elevadas, que o acesso aos registos bancários fica praticamente inacessível, adquirindo a confidencialidade bancária um significado extremamente importante para os criminosos, e contribuindo para que estes não necessitem de proceder a qualquer alteração no seu padrão comportamental.
Em simultâneo e complementando-se, não existe qualquer vontade política, por parte das entidades governativas destes territórios onde se encontram os centros financeiros offshore, em alterar as normas estatutárias que asseguram a confidencialidade bancária. Este mecanismo representa um papel deveras importante de sustentação económica desses territórios, sendo improvável que os governos assumam compromissos internacionais de medidas anti-branqueamento quando a confidencialidade bancária é vista como um dos mais importantes pilares na sustentação da estabilidade financeira de um país.
Mas não é só. Os Estados, na generalidade, de alguma forma atuam como que em conluio com estas práticas de branqueamento de capitais nos centros financeiros offshore. Apesar de um certo comprometimento por parte dos Estados nos mecanismos legislativos internacionais de anti-branqueamento e de confisco de proventos de crimes, e de alguma maneira na não concordância das práticas nos centros financeiros offshore, em particular as suas regulamentações de confidencialidade bancária, não existem dúvidas que política e economicamente, os Estados beneficiam destes centros financeiros offshore.
Clientes privados e entidades negociais não domiciliadas nestes espaços, utilizam as diversas ferramentas financeiras que estes centros offshore têm para oferecer, o que, de alguma forma, potencia a não existência de incentivos quer por parte dos centros financeiros offshore como dos Estados para quebrar o forte obstáculo que é a confidencialidade bancária. Tomemos como exemplo alguns dados internacionais. Os territórios das ex-colónias britânicas, onde se localizam uma boa parte de centros financeiros offshore, no ano de 2008, contabilizavam 36% dos passivos bancários internacionais; em 2012, 45 países estavam representados por bancos nas ilhas Caimão, sendo que a grande maioria destes bancos são norte americanos e europeus.
A enorme quantidade de riqueza, quer privada quer comercial, lícita e ilícita, que é atraída para estas jurisdições, onde se destacam as fortes legislações sobre a confidencialidade bancária que ali opera e a imensidão de benefícios/lucros que os bancos ali arrecadam e canalizam, superam de longe qualquer verdadeiro esforço que os Estados possam realizar para derrogar aquela forma de secretismo. Acresce a tudo isto o facto dos centros financeiros offshore terem-se tornado fortemente integrados nos mercados financeiros globais e, assim, direta ou indiretamente, apoiarem todos aqueles que são beneficiários destes mercados.
Com todas estas atrações, é certo que todos aqueles que possuem proventos de atividades criminosas irão sempre privilegiar os centros financeiros offshore como veículo para a condução segura do branqueamento de capitais, pois sabem que a probabilidade de algum dia o secretismo das suas ações nestes espaços vir a ser reduzida é quase nula.