Pedro Moura, Visão online,
Lisboa merece ser muito melhor tratada. Precisa de uma cara lavada, de mais gente a habitá-la, de mais comércio e atividades, de mais vida nas suas ruas, de ser mais polis
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Lisboa é a minha cidade. E é provavelmente das melhores cidades do mundo para se estar. Mas tem um enorme problema: é pouco habitada.
A dinâmica da evolução populacional tem sido muito elástica, desde o êxodo populacional de cerca de 40% da população para as periferias ocorrido entre 1981 e 2008 (807.937 para 489.562 habitantes - ver https://goo.gl/JM80Al) até à mais recente ‘invasão turística’ (cerca de 3,5 milhões de visitantes em 2015 - http://goo.gl/JSZ3TR).
Mas a realidade é que hoje em dia, fora das zonas de grande concentração de empresas, de turismo ou diversão noturna, Lisboa é uma cidade com uma dinâmica urbana muito pobre. É frequente encontrarem-se zonas ‘fantasma’ a várias horas do dia e da noite, sem qualquer tipo de atividade comercial e com parca (ou inexistente) presença de pessoas.
Pessoalmente penso que este estado de coisas tem a ver com dois fatores principais:
- a excessiva ‘especialização’ da cidade ao nível de zonas (aqui vive-se, ali trabalha-se, acolá diverte-se), fruto de uma gestão deficiente do ordenamento urbano ao longo dos anos, que se traduz em zonas com um cariz pouco heterogéneo, com ‘vida’ somente em instantes específicos de cada dia, e
- a falta de mais habitantes na cidade.
Indo agora ao tema fulcral deste artigo. Algumas análises (ver por exemplo este artigo da Visão http://goo.gl/xBsvzt) indicam que cerca de 1 em cada 12 edifícios de Lisboa são considerados devolutos (4.689 em cerca de 60.000 imóveis). Um simples passeio pela cidade permite rapidamente constatar esta realidade, que tanto ataca as artérias mais nobres como os lugares mais humildes.
As bases para este fenómeno de fogos devolutos são sobejamente conhecidas:
- ou são imóveis de entidades como o Estado, a Câmara ou outros, que nem reabilitam nem alienam estes imóveis para a iniciativa privada fazer algo com os mesmos;
- ou são imóveis de privados, com problemas de partilhas e heranças, processos de licenciamento burocráticos relacionados com recuperação, especulação imobiliária ou incapacidade de investimento por parte dos proprietários.
Estes fogos devolutos são um crime urbano, um cancro que ataca e corrói a própria noção de cidade, criando fenómenos de desertificação urbana, degradação arquitetónica e fealdade generalizada. Confesso ter vergonha de andar com um amigo estrangeiro pelas principais avenidas da cidade e constatar a sua surpresa quando confrontado com os muitos (demasiados) exemplos de prédios totalmente decrépitos, em aparente risco de colapso.
Noto nos últimos anos, porventura muito devido ao enorme aumento do turismo, uma maior taxa de recuperação de imóveis, algo que saúdo fortemente. Já agora, parece-me que este esforço tem partido sobretudo da iniciativa privada, e não de programas faraónicos e cheios de ‘amanhãs que cantam’ tão comummente propalados por entidades públicas com responsabilidades na cidade.
Para concluir, deixo algumas ideias para debate que julgo poderiam ajudar bastante a resolver o problema da desertificação urbana derivada da degradação do património imobilizado na cidade, ou seja, a transformar ruínas devolutas em prédios e casas habitadas:
- a nível de licenciamento camarário, privilegiar claramente obras de recuperação e praticamente proibir novas construções;
- taxar progressiva e agressivamente os fogos / imóveis devolutos e vazios em sede de IMI, à razão de um aumento de 100% de imposto em cada ano em que se mantivesse essa condição (ou seja, se o IMI de um imóvel vazio/devoluto tem o valor de 500€, no ano seguinte o valor passaria para 1000€, no 3º ano para 2000€, no 4º ano para 4000€, etc). Esta taxação progressiva seria aplicada a imóveis de entidades privadas e públicas (Câmara Municipal e Estado incluídos);
- caso o imposto não fosse pago, e o valor do imposto em dívida ultrapassasse o valor estimado do fogo / imóvel, a Câmara Municipal tomaria posse (sem custos) do imóvel, devendo este ser colocado imediatamente em leilão em hasta pública, para poder ser comprado e reabilitado (naturalmente quem o comprasse começaria também a pagar o IMI como indicado no ponto anterior).
Estas medidas, podendo parecer drásticas e polémicas, teriam a bondade de forçar a que situações de bloqueio para a recuperação deste património edificado fossem resolvidas, fossem elas partilhas e heranças, falta de capacidade de investimento, especulação imobiliária, etc. Infelizmente há poucas coisas capazes de efetivamente levar as pessoas a tomar atitudes corretas, e impostos são uma delas.
Certamente haverá pormenores em que pensar para a implementação de uma medida destas. Mas sinto que muitas vezes se tentam definir políticas e medidas para resolver este tipo de problemas de teor, conteúdo e forma tão intrincados como rendas de Bilros, e que só servem para os ‘profissionais’ do sistema ‘encanzinarem' ainda mais a situação, muitas vezes ‘legalizando’ práticas claramente fraudulentas e atentatórias à cidade e aos seus habitantes. Por vezes parece que o ‘legislador’ se preocupa geralmente mais com as excepções que as políticas têm de prever (para satisfazer quem?) que com o essencial das medidas. E o essencial, neste caso, é que não haja prédios devolutos ou casas vazias na cidade. E para isso é preciso clareza nas medidas que previnam isto. É este espírito de simplicidade que está na base destas minhas propostas.
Lisboa merece ser muito melhor tratada. Precisa de uma cara lavada, de mais gente a habitá-la, de mais comércio e atividades, de mais vida nas suas ruas, de ser mais polis. Não podem existir tantos prédios devolutos e tantas casas vazias, sob pena de Lisboa ser menos cidade que o que pode ser.