Carlos Pimenta, Jornal i Online
Há condições para uma profunda e longa indignação pública contra estes espaços de sigilo
1. Os documentos do Panamá (Panama Papers) despertaram a opinião pública para os Offshores. Por isso saudamos o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigadores (CIIJ). Todos nós já os teríamos percepcionado se olhássemos directamente para a realidade, com amor à verdade.
2. A variedade dos designados Offshores é vasta. A tendência, contudo, é serem três em um. Promovem a «concorrência» fiscal, isto é, fazem com que os povos paguem os impostos dos ricos. São «paraísos fiscais». Promovem a desregulação e a ausência de fiscalização desculpabilizando todo o tipo de cidadãos: honestos, defraudadores, corruptos e criminosos. São «paraísos judiciais». Promovem o silêncio e a opacidade do que aí acontece. São «jurisdições de sigilo». Três paraísos num único inferno.
3. Para a Administração Tributária paraísos fiscais são os que constam da lista. Paraísos fiscais reconhecidos (ex. Luxemburgo, Chipre) “deixaram” formalmente de o ser em Portugal (2011). A Suíça, classificada pela Rede de Justiça Fiscal (TJN) como o principal Offshore não consta da lista. Em Abril de 2012 Portugal e o Panamá celebraram uma “Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento”. Mais que as declarações formais contam os actos, o que acontece efectivamente.
4. Neste travesti entre o formalismo e a realidade a Zona Franca da Madeira é o nosso paraisinho fiscal. Encapotado nas declarações públicas (“entreposto”, “centro de negócios”, “regulação”) bem visível nas operações realizadas e nas isenções fiscais atribuídas.
5. Na lista abundam pequenos territórios mas os centros nevrálgicos são Suíça, Estados Unidos da América, Reino Unidos e Luxemburgo. Se procura a lavandaria do dinheiro obscuro procure bem na Europa.
6. A riqueza privada nos Offshores é metade do produto mundial anual. Só a evasão fiscal pela utilização desses ditos paraísos é de 29 milhares de milhões de dólares nos impostos sobre o capital e 2,3 biliões nos impostos sobre o rendimento. São também importantes como refúgio da corrupção e do crime organizado.
7. A opinião pública centra muito a atenção nos nomes envolvidos. Que dessa observação resulte a consciência clara sobre o criminoso dos tempos contemporâneos. O defraudador económico-financeiro. As elites económicas e políticas da nossa sociedade. As ditas pessoas de respeito. A chamada criminalidade de colarinho branco, muitas vezes organizada internacionalmente. O criminoso de biliões não é o pobre, o árabe, os que têm um pequeno negócio para sobreviver. São muitos dos que admiramos pela aparente integridade e sabedoria, por serem condecorados por presidentes.
8. O centro do problema não são as pessoas mas a existência dos paraísos fiscais e judiciais. Existência legal, abençoada pelos poderosos. A raiz da sua dinâmica está na circulação internacional de capitais sem qualquer fiscalização ou controlo.
9. Detectar o branqueamento de capitais é o cerne da investigação criminal. Detecta a fraude fiscal, a grande corrupção, os tráficos ilegais, as organizações criminosas, o terrorismo. Contudo os Offshores são o principal obstáculo a essa investigação, a uma sociedade mais ética e digna.
10. Há condições para uma profunda e longa indignação pública contra estes espaços de sigilo, com ou sem notícias. Não sejamos iludidos pela batalha silenciosa que se trava nos bastidores: entre os jornalistas que querem continuar a investigação e os órgãos de informação que sofrem pressões para que silenciem o assunto, não divulguem novos nomes.
11. Os Offshores são a hipocrisia do sistema mas não podem ser o esquecimento da nossa indignação!